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Movimento negro pede regulamentação de cotas em concursos públicos

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Este ano, pelo menos três concursos da administração federal foram questionados judicialmente por questões relacionadas à nova lei | FOTO: Adenilson Nunes |

Em vigor desde 9 de junho do ano passado, a Lei 12.990, que reserva 20% das vagas em concursos da administração pública federal para candidatos negros, completou um ano e um mês em meio a dificuldades na aplicação. Alguns concursos feitos sob as novas regras têm sido alvo de ações judiciais. Por isso, representantes do movimento negro defendem a regulamentação da lei. A política de cotas é uma das ações afirmativas previstas no Estatuto da Igualdade Racial, que completou cinco anos nesta segunda-feira (20).

Este ano, pelo menos três concursos da administração federal foram questionados judicialmente por questões relacionadas à nova lei. O motivo da discórdia, nesses casos, foi a forma de cálculo das vagas que devem ser destinadas ao sistema de cotas. Os editais dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA) e de São Paulo (IFSP) fracionaram as vagas segundo a área e a lotação. Como a maioria das áreas de conhecimento oferecia uma ou duas vagas, e a legislação prevê as cotas quando há três ou mais vagas, na prática, não houve reserva para negros.

Os dois concursos foram contestados, respectivamente pela Defensoria Pública da União (DPU) e pelo Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP). Na seleção do IFMA, uma decisão liminar da 3ª Vara Federal do Maranhão determinou que, do total de 210 vagas para professor, 42 fossem destinadas a negros. No concurso do IFSP, a ação ainda tramita na 7ª Vara Cível de São Paulo. As ações da DPU e do MPF-SP defenderam também a reserva de vagas para deficientes.

No caso do concurso prestado pela professora Viviane Gomes Marçal, de 34 anos, a situação foi inversa. O edital do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG) aplicou o percentual de 20% sobre o total das 14 vagas ofertadas. Viviane se candidatou ao cargo de professora de design de interiores, para o qual havia duas vagas. Foi aprovada em primeiro lugar pelas cotas, e em quinto pela ampla concorrência. Como só havia duas oportunidades em sua área, tomou posse como cotista. No entanto, outros dois candidatos pediram na Justiça a exoneração dela.

“Os outros candidatos não concordaram, pois, para eles, seria melhor se [o cálculo] fosse aplicado por área. Tive uma decisão favorável, mas ainda cabe recurso”, conta a professora, que mora em Belo Horizonte. No último dia 3 de julho, o juiz federal Marcelo Dolzany da Costa indeferiu o pedido de liminar dos candidatos que contestaram a posse. O juiz citou decisões do Supremo Tribunal Federal favoráveis à constitucionalidade das cotas e ao cálculo sobre o total geral de vagas.

Insegurança
Viviane comemorou a primeira vitória, mas acha que a situação não oferece segurança. “Tenho um colega que fez o concurso pelo sistema de cotas de outro edital do IFMG e o juiz que analisou mandou exonerá-lo. Ele tinha largado um emprego onde ganhava melhor, já estava trabalhando”, relata. Na avaliação dela, uma regulamentação da lei ajudaria. “Eu considero que sim [seria positivo], de forma que ficasse bem claro para qualquer juiz como deve ser a aplicação”, afirmou.

É essa também a opinião de Frei David de Castro, presidente da Organização Governamental (ONG) Educafro. “Acontece que, em cada local, estão aplicando a lei de um jeito”, acredita. De acordo com ele, além da questão do fracionamento de vagas, há registros de uso abusivo da autodeclaração, critério para que o candidato tenha acesso às cotas. A Lei 12.990 prevê que, se for provado posteriormente que o candidato mentiu, ele está sujeito a ser exonerado do cargo público.

Para Frei David, não é o bastante. Ele defende mais rigor no acesso, além de fiscalização. “Uma proposta nossa é que a pessoa, para ter acesso às cotas, prove que o pai ou a mãe é negra, mesmo sendo pardo. Assim, sai do subjetivo. O grande problema das políticas públicas governamentais está na falta de monitoramento, fiscalização e punição. Que, ao regulamentar [a lei], o Poder Público defina isso. A missão de regulamentar é do Executivo e ele está sendo excessivamente omisso”, diz.

Esclarecimento
Por enquanto, o governo federal não tem planos de editar um decreto regulamentando a Lei 12.990 e reconhece que tem havido dúvidas na aplicação. De acordo com Ronaldo Barros, secretário de Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir), já foi divulgada uma nota técnica relativa à lei, prevendo a possibilidade de constituir comissão de verificação com relação à autodeclaração. Outra nota sairá entre o fim deste mês e início do próximo, com respostas para diversas questões.

“A gente encontra alguma dificuldade [na aplicação da lei] e há um nível de solicitação de informações na Seppir. Dúvidas sobre onde se aplica, por exemplo, se nos níveis estadual e municipal. Aí esclarecemos que é só no âmbito federal. Tem o modus operandi das universidades, onde acaba havendo um fracionamento de vagas que impede que o espírito da lei seja preservado. A gente está fazendo um diálogo como o segmento universitário, com os institutos federais”, afirma. Segundo Ronaldo, há, ainda, a possibilidade de uma portaria ou instrução normativa a respeito.

O secretário de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Genildo Lins, acredita que a Lei 12.990 “é bem clara em relação aos limites da sua aplicação”. Mesmo assim, ele disse que o órgão trabalha em uma orientação normativa para resolver as principais dúvidas das organizadoras de concursos públicos. “Mas, primeiro, estamos apurando quais as dúvidas. [Ficará pronta] este ano, com certeza, em mais uns dois ou três meses”, diz.

No entanto, o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente, é a favor de uma solução com força de lei. “Me parece, pelos relatos, que temos uma deficiência ou forma inadequada de fazer as regras para esses concursos. Acho que nós temos que ter o cuidado de criar um critério unificador, que impeça interpretações particulares. Não sei se uma portaria é suficiente. Eu gostaria que tivesse um decreto regulamentando. O decreto é a extensão da lei, passa a ser a lei”, defende. A Lei 12.990 expira em dez anos a partir da data da sanção pela presidente da República. Seu objetivo é tornar o ambiente da administração pública federal mais igualitário, nesse período. Da Agência Brasil.

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