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[Artigo]: O que é educação musical e sua trajetória no Brasil

Entre crianças, as atividades lúdicas que envolvem música são elementos motivadores que visam aperfeiçoar o desenvolvimento da percepção, da imaginação, memorização, socialização e a expressividade | FOTO: Divulgação |

Por Wellington das Mercê*

Inicialmente, é razoável dizer que se trata do processo de construção do conhecimento musical. Refere-se ao ensino e aprendizado da música, assim como a educação geral e plena do indivíduo, na busca do despertar e desenvolver o gosto pela música através de estímulos. Entre crianças, as atividades lúdicas que envolvem música são elementos motivadores que visam aperfeiçoar o desenvolvimento da percepção, da imaginação, memorização, socialização e a expressividade. Nesse processo, a imitação, a percepção e a criação, são elementos motivadores para o desenvolvimento musical.

Para entendermos a linguagem musical é necessário dar ao indivíduo conhecimentos básicos e elementares da música. Vale ressaltar, que nem sempre a educação musical caminha em direção à formação profissional. Pode-se dizer ainda, que essa educação pode ser oferecida nas escolas de forma sistematizada, ou ainda, assistematicamente, por meio do folclore e da indústria cultural.

Na Idade Média, a educação musical era disciplina obrigatória do Quadrivium, nome dado ao conjunto de quatro matérias (aritmética, geometria, astronomia e música), que eram ensinadas nas universidades helênicas. Inicialmente, havia o trívio, onde constavam gramática, lógica e retórica. Assim, eram oferecidas as artes liberais, referindo-se aos ofícios, disciplinas acadêmicas ou profissões exercidas pelos homens livres, daquela época.

No Brasil, coube aos jesuítas serem os primeiros educadores da Pátria. De acordo com a Igreja, uma metodologia calcada no racionalismo, organização, ordenação, repetição, memorização e averiguação dos resultados. No Brasil, entre 1750 e 1777, uma série de reformas modernizantes foram postas em prática com o objetivo de melhorar a situação econômica do Império português e aumentar as rendas através da exploração colonial.

Assim, Sebastião José de Carvalho, o Marquês de Pombal, impõe através do Tribunal da Relação, em 1751, a expulsão dos jesuítas do Brasil, para pôr fim ao conflito entre colonos (que defendiam a utilização de mão-de-obra escrava dos indígenas); e padres jesuítas (que negavam-se a ceder seus catequizados para os objetivos dos colonizadores). As terras, antes administradas pela Companhia de Jesus ficaram com os militares e colonos, ou doadas e leiloadas pela Coroa Portuguesa. A extinção dos colégios jesuítas, significou para o Brasil, o fim do único sistema de ensino que existia naquele período.

Com a Chegada da Família Real ao Brasil, a música passa a ocupar teatros, com companhias estrangeiras de óperas. Apenas, em 1854, foi instituído o ensino de música em escolas públicas, em dois níveis: noções de música e exercícios de canto. Em 1889, exige-se através do decreto 981, a formação especializada do professor de música. É importante lembrar que, para os padrões da época, havia o entendimento que o ensino de música estava vinculado à pratica de um instrumento. Sendo assim, foi criado o Conservatório Brasileiro de Música, em 1845, junto ao Conservatório Dramático e Musical, em São Paulo, ambos em moldes europeus.

Entrementes, com o advento do nacionalismo e a proximidade do século XX, diversos educadores, em diferentes países, iniciam o desenvolvimento de métodos e estratégias voltados à educação musical: Edgar Willems, belgo-suíço (1890 – 1978); Zoltan Kodaly, húngaro (1882 – 1967); Carl Orff, alemão (1895 – 1982); Emile Jacques Dalcroze, vienense (1865 – 1950); Shinichi Suzuki, japonês (1898 – 1998); Murray Shafer, canadense (1933 – ), John Paynter, britânico (1931- 2010); Swanwick, britânico (1933 – ). Esses nomes mudaram o pensamento e a prática da educação musical, que voltaram-se à vivência musical, à audição, ao canto, ao movimento, à apreciação, como elementos de musicalização, principalmente para as crianças.

No Brasil, o Canto Orfeônico foi uma das práticas mais difundidas no início do século XX: João Gomes Júnior, Fábio Lozano e Sá Pereira, são apenas alguns desses nomes. Na Era Vargas, coube a Villa-Lobos, através do decreto 19.890, de 18 de abril de 1931, o ensino de música passa a compreender dois cursos seriados: fundamental e complementar, em um prazo de cinco anos, sendo oferecida a prática de canto orfeônico nas três primeiras séries.

Por convite de Anísio Teixeira, à época superintendente do ensino público federal do Distrito Federal, Villa-Lobos passa a ocupar o cargo de diretor de ensino da Prefeitura do Distrito Federal, onde o Canto Orfeônico passa a ser disciplina obrigatória no Rio de Janeiro e posteriormente ampliado para todo território nacional através da Reforma Capanema.

No entanto, críticas ao sistema implementado apontam para a manipulação de massas pelo Presidente Getúlio Vargas, através da exacerbação do nacionalismo com hinos de exaltação patriótica que atendia a um civismo elitista através de canções folclóricas. Contudo, não há como negar a contribuição que Villa-Lobos deu à concepção do ensino de música voltado às crianças, como também, à formação de público e divulgação da música brasileira.

Na década de 60, uma nova corrente de pensamento permeou o ensino musical através da arte-educação. Basicamente, tinha como princípio a flexibilização dos rigores técnico e científico anteriores, cedendo espaço aos sentimentos de liberdade e modernidade. Então, busca-se uma suposta criatividade para disfarçar a falta de conhecimentos específicos de uma grande parte de professores de música.

Em conseqüência do Golpe Militar de 64 é promulgada a lei 5692/71, estabelecendo nova organização à educação escolar aos níveis primário e médio no País. Assim, as disciplinas música, artes plásticas e o teatro, integram-se à educação artística. Na prática, essa concepção de professor polivalente enfraqueceu os conteúdos específicos de cada área, excluindo algumas dessas do currículo. Vale ressaltar que a arte passou a ser considerada atividade; não mais disciplina.

Em 1973, outro grande equívoco. A criação dos cursos de licenciatura (curta duração), em educação artística; licenciatura (longa duração), em educação musical e artes plásticas. Isso culminou em uma desestruturação das escolas de belas artes e bacharelados específicos em artes plásticas. Especificamente, a música ficou ainda mais enfraquecida.

Com o fim do regime militar nos anos 80, após oito anos de tramitação é promulgada, em 1996, a nova LDB – Lei 9394/96. De forma sucinta, representa um passo importante na questão do ensino de arte na escola, no entanto, ainda não garante ao ensino de música uma mudança significativa na situação atual. Além disso, o texto é vago e amplo em alguns pontos concernentes às artes.

Em suma, essa tem sido a trajetória das artes, principalmente da música, em nosso território. Entre avanços e retrocessos o País revela-se carente, desconhecedor das artes em geral, sobretudo, desconhece suas origens culturais mostrando-se vulnerável à cultura de massa que impõe a arte como entretenimento, sem um valor estético que conduza ao belo, à elevação dos senso crítico e à reflexão.

*Wellington das Mercês é mestre em Educação Musical pela Ufba; especialista em Metodologia do Ensino das Artes pela Uninter; bacharel em Trompete pela Ufba e ex-professor de trompete do Colégio Estadual Manoel Novaes, em Salvador.

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