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#Entrevista: Jones Carvalho diz que “mandato não pertence ao político e sim aos seus eleitores”

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Jones é considerado um símbolo vivo da resistência militar armada e concedeu entrevista aos jornalistas Valter Xéu e Luciano Barreto | FOTO: Divulgação/Notícias da Bahia | 

Jones Carvalho é mineiro de Belo Horizonte. Aos 9 anos de idade, em pleno período da ditadura militar, presenciou da janela de sua casa, a cavalaria do exército sufocar uma passeata pacífica deixando muitos mortos, fato determinante para sua conscientização política. Ainda jovem chegou a Bahia, onde passou a militar no movimento sindical do Polo Petroquímico de Camaçari. Suas ações foram determinante na criação de uma nova ideologia sindical e juntamente com outros operários de chão da fábrica, a exemplo de Jaques Wagner, Moema Gramacho, Rui Costa, Salvador Brito, dentre outros, mudaram definitivamente o cenário político baiano.

Por ser Jones um símbolo vivo da resistência militar armada, no período da ditadura, a entrevista concedida aos jornalistas, Valter Xéu, e Luciano Barreto, foi regada com algumas doses do tradicional ‘cravinho’, ofertado pelo também símbolo de resistência e ativista cultural, Clarindo Silva, em sua tradicional Cantina da Lua. Pré-candidato a deputado estadual pelo PT, Jones Carvalho defende um mandato participativo, e que o Partido dos Trabalhadores precisa se reinventar.

Notícias da Bahia – Jones nos conte sua história.
Jones Carvalho – Eu nasci em Belo Horizonte, em um domingo de carnaval, morei em BH, até 1979, saí de lá por perseguição política em plena era da ditadura. Em 64 com 9 anos eu vivi o terror do golpe militar. Marcando profundamente a minha vida, nessa época eu morava com minha família na Rua Olegário Maciel, quando da janela da minha casa, vi passar uma tropa da cavalaria do exército todos muito bem armados perseguindo uma multidão que descia a rua em passeata e foi um massacre.

Notícias da Bahia – Então racharam a cabeça de muita gente….
Jones Carvalho – Assassinaram muita gente! Teve um que correu e levou um tiro pelas costas, e eu e minhas duas irmãs presenciando da janela, horrorizados com aquele massacre, imagina, uma cena dessa observada por uma criança de apenas 9 anos. A partir dali passamos a entender o que representava o braço armado dos militares, daí passamos a sentir medo dos militares, a gente não concordava com tamanha covardia. Naquele momento começou a consciência política da gente.

No dia seguinte, ao massacre os jornais diziam que o acontecido era uma vitória do povo, então me perguntava: como o povo ganhou se o povo estava na rua e foram mortos pelos soldados? Nessa época eu cursava o primário, eu estudava no grupo escolar Olegário Maciel, e na sala de aula ouvi a professora falar que o movimento havia sido pacífico. Então falei: “Não! Houve muitos mortos”, e ela se levantou assustada pedindo pelo amor de Deus que eu não comentasse aquilo com ninguém. Ela não podia discutir, porque poderia ser presa, como muitos foram naquela época, mas eu estava indignado.

Em 1966, começamos a participar daquelas manifestações contra o Acordo Mercusaires, só que desta vez, eu estava do outro lado da “janela” estava vivenciando a ditadura, quando os soldados chegaram com cassetetes, soltavam os cachorros na gente, e a gente foi tomando consciência de que aquilo ali não iria surtir efeito, então no ano de 1967, com 12 anos, eu fui recrutado pela Polopi, que era uma das muitas organizações clandestinas político-operária que surgiam no país, a partir daí comecei minha militância organizada. Era uma resistência armada.

Logo depois a Polopi se dividiu e eu passei a integrar a Colina (Comando de Libertação Nacional) – no final dos anos 70 a organização foi duramente atingida, tendo parte do grupo sido assassinados, outra parte foragida e eu fique sendo seguido 24 horas do dia, porque eles queriam encontrar os líderes da organização, então eu não podia participar de nenhuma reunião, nenhum encontro com ninguém, eu só podia estudar religião que era o que não dava problema. E passei um bom tempo estudando muitas religiões.

Notícias da Bahia – Seguiu alguma delas?
Jones Carvalho – Não. Nenhuma.

Notícias da Bahia – Vamos retroceder um pouco no tempo… na cabeça de um adolescente de 12, ou 13 anos, como é que você hoje analisa aquela época, presenciando aqueles massacres, a falta de liberdade….
Jones Carvalho – A gente se sentia muito impotente frente a situação, a gente via pessoas morrerem, pessoas sendo presas injustamente, e não tínhamos muito o que fazer. Muita gente costuma condenar nossa participação na resistência armada, achando que aquilo era coisa de louco suicida. Mas se a gente contrapor aquela época com o desgoverno do Michael Temer, essa impotência que as vezes a gente sente que percebe que a justiça tem lado, que condena um e absolve os outro nas mesmas circunstâncias. A sensação é a mesma, o aparato militar era muito mais organizado e preparado para dissolver os movimentos tidos como revolucionários, e o que passava pra sociedade é que a luta era pela manutenção da ordem.

Certa vez, uma bomba dessas que eles chamam de bomba de efeito moral caiu embaixo de um buik e estourou os quatros pneus do carro, então assim, não tinha nada de efeito moral. Era uma bomba mesmo e a gente ia percebendo que tínhamos que radicalizar o processo. Era uma situação muito difícil, porque a gente sentia uma opressão muito grande porque tudo era proibido, as músicas eram proibidas os shows eram proibidos, certa vez fomos assistir a um show do Chico Buarque, como a música que apesar de você, estava sendo muito tocada, eles perceberam que a letra tinha conotação política, aí com a censura já tinha liberado a música eles proibiram a letra, que era uma forma de dizer que não havia perseguição.

Quando chegamos no ginásio, Chico pegou o violão e disse: “vou tocar uma música que eu não posso cantar, e nos cantamos. Quando acabou o show a polícia entrou e bateu na gente, agora imagina a situação, a gente subindo a arquibancada buscando sair e a polícia descendo a arquibancada com os cassetetes. Do lado de fora eles queimaram os carros, furaram os pneus dos carros, jogaram ácido nos carros, e haviam os grupos anticomunistas também que apoiavam os militares contra nós.

Notícias da Bahia – Você acha que esse quadro pode se repetir, hoje?
Jones Carvalho – Eu acho.

Notícias da Bahia – Estamos caminhando pra isso, né?
Jones Carvalho – Sim, porque nós temos uma burguesia extremamente reacionária e egoísta, ela não quer ver o desenvolvimento do país, então… eu lembro uma vez que tive uma discussão com Celso Furtado em que ele dizia o seguinte: é um absurdo dizer que tem desenvolvimento quando é só econômico, quando só os números da economia avançam, porque se não há desenvolvimento social não tem desenvolvimento. Esses índices devem ser acompanhados do ponto de vista do crescimento na área social e o Brasil só experimentou isso na era Lula, então o que nós sempre vimos é o que ele diziam o bolo vai crescer e a gente divide, e o bolo bolo crescia e não se dividia nada. A gente ouvia também dizer, mas o povo não luta; o povo não reage, na verdade o que falta é divulgação, não se publica, muitas ações foram feitas e não foi dada a devida divulgação, assim como é hoje também. Quando a ação é originária da situação há uma farta publicidade, quando vem da esquerda entra uma parte da imprensa comprometida para desfazer a conotação.

Temos por hábito dizer que aquele povo da roça, do interior, não sabe votar e os exemplos que estamos vendo é que esse povo é mais progressista que a nossa elite burguesa, estou falando de uma boa parte da classe média, que em sua grande maioria foram as ruas pedir a saída da Dilma. Você não acha que a nossa classe média está totalmente midiotizada, lembro que no governo Dilma o litro da gasolina custava dois reais e cinquenta, recentemente vimos o movimento dos caminhoneiros para pressionar o governo pela redução no custo do diesel. Ou seja se a grande mídia se posicionar contra, aí o povo vai para a rua, como você vê esse cenário?

O que acontece, é que o povo que vivia em miséria absoluta, trocava seu voto por dentadura, por um saco de cimento um par de sapatos e tal, e o povo quando ganhava isso votava naquele candidato, por que se sentia na obrigação de pagar o que lhe foi prometido. Com o Bolsa Família e com os programas sociais, essa camada da população parou de depender desse tipo de políticos corruptos e aí perceberam que alguém fez alguma coisa por eles, daí eles aprenderam a distinguir aqueles políticos mercantilistas e corruptos daqueles políticos que produzem políticas públicas voltadas para o social.

Eu tenho caminhado muito e conversado com um grande número de famílias de baixa renda e noto que são os mais conscientes, em uma dessas andanças eu cheguei em uma praça de uma localidade bem pobre e passei o dia conversando com as pessoas e elas diziam que se o Lula for não for candidato, elas votam em quem o Lula apoiar. Quando você chega em um espaço de classe média, as pessoas ficam colocando dúvida nisso e naquilo e você nota opiniões totalmente diversas, portanto o sentimento da classe média contra os governos de esquerda é pelo que foi feito pela faixa da população de baixa renda.

Leia entrevista completa…

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