Natural do município de Ituaçu, no sul da Chapada Diamantina, o cantor e compositor baiano Antonio Carlos Moreira Pires, o ‘Moraes Moreira’, deixa um legado musical que é reconhecido por diversos artistas em todo o mundo. Por ser da região chapadeira, a população local se despede do conterrâneo e o considera um dos músicos de maior referência por ter introduzido a voz em cima do trio elétrico. Ele começou sua trajetória musical justamente na Chapada Diamantina, muito antes da formação do grupo Novos Baianos, no Rio de Janeiro, onde faleceu nesta segunda-feira (13), aos 72 anos. Ele aprendeu música observando os sanfoneiros da região e iniciou sua trajetória com a tradicional sanfona de doze baixos. Suas influências musicais permeavam por Luiz Gonzaga a Dorival Caymmi.
“Moraes Moreira foi um grande compositor, o cara que inventou a voz em cima trio elétrico, que até aquele momento era só a guitarra baiana com outros acompanhamentos. Foi Moraes que introduziu a voz no trio e que transformou neste gigante que é hoje o trio elétrico. E, além do que, trafegou por várias vertentes do frevo ao maracatu, à música do carnaval, fez cantoria, fez repente e fez samba. Então, é o cara múltiplo com uma habilidade musical imensa. Além do que, foi um dos principais líderes dos ‘Novos Baianos’ – que naquela época foi uma revolução para a música popular brasileira, do ponto de vista da música, da melodia, dos costumes e do comportamento”, destacou o cantador Ivan Soares, natural do município de Nova Redenção.
Em contato com o Jornal da Chapada, Ivan ainda destacou que Moraes Moreira foi um cara que marcou sua geração. “Eu mesmo me sinto marcado pela música de Moraes Moreira porque acompanhei muito o trio de Dodô e Osmar com ele em cima. Me lembro muito bem de ‘Chão da Praça’ – que foi uma música que andava na boca de todo mundo nos 79 a 80. É lamentável, a gente sente muito que a música popular perca um grande nome, um grande músico, um grande compositor e um revolucionário como foi Moraes Moreira”, Ivan Soares.
Chão da Praça de Moraes Moreira
A prefeitura municipal de Ituaçu, cidade onde Moraes nasceu, emitiu uma nota de pesar e lamentou o falecimento do músico chapadeiro. “Filho ilustre de nossa Ituaçu, deixa para nós um grande legado cultural e muito orgulho, pois levou o nome da nossa cidade para os quatro cantos do mundo”, aponta a gestão. Outras autoridades da Bahia também se manifestaram sobre a morte de Moreira. O governador Rui Costa (PT), por exemplo, disse em suas redes sociais que lamenta a morte do cantor. “Com muito pesar, recebi a notícia do falecimento do cantor e compositor baiano Moraes Moreira. Ícone de várias gerações, Moraes marcou a vida do país em momentos de alegria e reflexão. Ao lado dos parceiros dos Novos Baianos, transformou a MPB, renovando o samba e outros ritmos”.
“Como primeiro cantor de trio, ensinou ao mundo como carregar multidões e espalhar a felicidade. E, para coroar, é um dos criadores de um dos hinos do Carnaval baiano: Chame Gente. E isso é só uma pequena amostra de suas realizações, ao longo de cinco décadas de carreira. Sua história nos fará sentir muita falta do seu talento, da sua sensibilidade e da cumplicidade com o público. Meus sentimentos aos familiares, amigos e fãs desse grande mestre!”, completa Rui Costa. Já o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), exalta a formação musical de Moraes Moreira.
“Foi um dos mais brilhantes e completos artistas baianos, criador de grandes clássicos da MPB. Com presença marcante na história do Carnaval da Bahia, ele projetou com elegância a maior festa popular do planeta para cada esquina do Brasil e do mundo. Ele será sempre lembrado não somente pelo que fez para a projeção do nosso Carnaval, mas, sobretudo, pela consistência de seu trabalho autoral. Aos amigos e familiares de Moraes Moreira, os meus profundos sentimentos”, declara Neto.
Mais sobre Moraes Moreira
O contato do músico chapadeiro com o violão só surgiu mesmo durante a adolescência enquanto estudava no curso de Ciências na cidade de Caculé, na região sudoeste da Bahia, em 1967. Aos 19, ele foi para Salvador, onde começou a estudar no Seminário de Música da Universidade Federal da Bahia. Lá, ele conheceu seus futuros companheiros dos Novos Baianos, Luiz Galvão e Paulinho Boca de Cantor, além de Tom Zé. Em 1968, eles criaram o espetáculo que deu origem aos Novos Baianos, Desembarque dos Bichos depois do Dilúvio Universal.
O grupo já tinha também a participação de Baby do Brasil (Baby Consuelo, na época) na voz e o guitarrista Pepeu Gomes quando foi participar do popular Festival da Música Popular Brasileira na TV em 1969, com a música ‘De Vera’, de Moreira e Galvão. No ano seguinte, o grupo lançou seu disco de estreia, ‘Ferro na boneca’. Mas a grande obra deles viria após uma visita de João Gilberto à casa em que eles moravam juntos, já no Rio de Janeiro. Em 1972, eles lançaram o álbum ‘Acabou Chorare’, que consagrou os Novos Baianos. O trabalho juntava samba, rock, bossa nova, frevo, choro e baião.
Com a regravação de ‘Brasil pandeiro’, de Assis Valente, além de ‘Preta pretinha’, ‘Mistério do planeta’, ‘A menina dança’, ‘Besta é tu’ e a faixa título, todas de coautoria de Moraes Moreira, o álbum de 1972 é reconhecido como um dos melhores – senão o melhor – trabalho do pop brasileiro. Foi um passo adiante do tropicalismo de Caetano, Gil e Tom Zé – no abraço ao rock e à psicodelia hippie, na fusão de ritmos brasileiros, na recusa a seguir padrões no período mais duro da ditadura militar.
O grupo foi morar em um sítio em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, onde seguiam a cultura hippie dos EUA e da Europa em plena ditadura militar brasileira. Lançaram ainda três discos, cujo sucesso não tão grande começou a gerar desentendimentos. Ele ficou no grupo de 1969 até 1975, quando saiu em carreira solo.
Carreira Solo
Em 1976, já em carreira solo, ele se tornou o primeiro cantor de trio elétrico, ao subir no trio de Dodô e Osmar, e cantou a música ‘Pombo Correio’, sucesso na época. Já em 1997, ele reuniu o grupo Novos Baianos para lançar o disco ao vivo Infinito Circular, com canções dos discos anteriores e algumas inéditas. Em 2007, Moraes Moreira publicou o livro A História dos Novos Baianos e Outros Versos, escrito em linguagem de cordel, que conta a história dos Novos Baianos.
Em 2017, ele lançou outro livro, o ‘Poeta Não Tem Idade’, com cerca de 60 textos sobre homenagens a Luiz Gonzaga, Machado de Assis, Gilberto Gil e muitos outros. Nos últimos anos, Moraes Moreira se envolveu em shows de reunião dos Novos Baianos e também de trabalhos solo. O artista também se dedicou a trabalhos com o filho. No total, ele lançou mais de 60 discos entre a carreira solo, Novos Baianos, Trio Elétrico Dodô e Osmar, além da parceria com o guitarrista Pepeu Gomes. Em março deste ano ele fez a última postagem no Instagram falando sobre a quarentena que o mundo vive por causa da Covid-19.
Jornal da Chapada
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