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Brigada emergencial de saúde: O Consórcio do Nordeste no enfrentamento à Covid-19

O objetivo da brigada é ampliar o alcance do SUS no Nordeste, atendendo a regiões como o semiárido nordestino e a Chapada Diamantina | FOTO: Reprodução |

*Por Rinaldo de Castilho Rossi e Simone Affonso da Silva

A Covid-19, doença causada pelo coronavírus SRA-CoV-2, tem colocado em posição de destaque velhos e novos desafios na pauta política de diversos países do mundo, haja vista o caráter de emergência global e de pandemia que a doença adquiriu nos últimos meses por determinação da Organização Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, a situação tem se tornado cada vez mais crítica, de modo que registramos 162.563 casos confirmados e 11.139 óbitos pela doença, de acordo com dados das secretarias estaduais de saúde, disponibilizados até 11/05/2020. No país, a crise desencadeada pela Covid-19 explicita alguns problemas e tensões próprios do federalismo brasileiro, como a questão da divisão de competências entre os entes federados e a cooperação e coordenação governamental, aspectos que estão na base dos conflitos atuais no que concerne ao combate da pandemia.

Parte de tais conflitos envolvem o Presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) e governadores de diversos estados do país, muitos deles pertencentes à própria base de apoio presidencial, como João Doria (PSDB), governador de São Paulo, e Ronaldo Caiado (DEM), governador de Goiás. No âmbito da região Nordeste, conflitos políticos que já eram evidentes desde a eleição de 2018 ganharam novo enredo, especialmente por conta do protagonismo assumido pelo Consórcio Nordeste – fundado pelos governadores da região em julho de 2019.

No contexto atual, entre os mecanismos através dos quais os governadores nordestinos têm influenciado dos debates regionais e nacionais concernentes ao enfrentamento a crise desencadeada pela Covid-19, sobretudo através do Consórcio Nordeste, destacamos: i) o balizamento da opinião pública por meio da divulgação de cartas, de caráter eminentemente político; ii) a criação de um Comitê Científico de combate ao novo coronavírus para assessoramento aos governadores; iii) o desenvolvimento e utilização do aplicativo Monitora Covid-19; iv) a criação de estratégias comuns de aquisição de equipamentos hospitalares e EPIs para o Sistema Único de Saúde; v) a articulação entre secretarias estaduais de saúde e de assistência social para elaborar e implementar medidas de combate à pandemia e mitigação de seus efeitos.

Talvez um dos posicionamentos mais importantes do Consórcio Nordeste, no sentido de disputar a agenda nacional sobre o combate à pandemia foi a proposta de criação da Brigada Emergencial de Saúde, sugerida aos governadores pelo Comitê Científico e divulgada amplamente em seu 4º boletim, publicado em 16/04/2020. Trata-se da defesa da validação, provisória, dos diplomas de médicos formados no exterior e residentes no Brasil (estimados em pelo menos 15 mil), para que atuem durante a pandemia.

Desde o início, a proposta recebeu críticas negativas do governo federal e do presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), que não apresenta interesse em favorecer a revalidação, ainda que provisória, dos diplomas de profissionais graduados no exterior. A posição do CFM se tornou ainda mais rígida no dia 03/05/2020, quando foi postado um vídeo em sua conta do Twitter criticando a proposta dos governadores do Nordeste, material que foi replicado pelo presidente Jair Bolsonaro em suas redes sociais.

O fato é que, a despeito das críticas, o Consórcio do Nordeste sustentou sua posição e criou a Brigada SUS/Nordeste, instituída a partir da Resolução 08 de 17/04/2020, publicada no Diário Oficial da Bahia e assinada pelo governador Rui Costa, presidente do Consórcio. Segundo a resolução, podem compor a brigada: i) graduandos no último ano de formação na área de saúde; ii) profissionais contratados temporariamente; iii) servidores vinculados ao SUS; iv) médicos brasileiros formados no exterior em processo de revalidação; v) voluntários com formação na área de saúde. O objetivo da brigada é ampliar o alcance do SUS no Nordeste, visando a “interiorização” do serviço, atendendo a regiões como o semiárido nordestino e a Chapada Diamantina, que serão diretamente beneficiadas.

Ressalta-se que, ao contrário do que afirma o representante do CFM, a Brigada instituída cumpre cuidados para a garantia do exercício responsável dos atendimentos de saúde, de modo que os concluintes e os graduados no exterior devem cumprir pré-requisitos que comprovem sua capacidade de atuar no sistema, além de que devem ser supervisionados por outros profissionais com diplomas devidamente validados.

Com a criação da Brigada Emergencial de Saúde do Nordeste, os nove governadores criam um mecanismo importante para ampliar os esforços do SUS na região, cumprindo também um papel motivador, como prevê a resolução de fundação, para aqueles profissionais que já estão atuando nos municípios e povoados mais isolados. Além disso, a Brigada SUS/NE tem a prerrogativa, a partir da articulação interinstitucional, de assumir papel na gestão de unidades de saúde que precisem de reforço na otimização dos serviços.

Ainda que contrariando a posição do governo federal, através da Brigada, o Consórcio Nordeste revela a busca por autonomia no enfrentamento à pandemia, bem como disputa a agenda pública nacional ao desenhar e implementar soluções ao problema. Essa medida reverberou amplamente na imprensa e nos meios políticos, tendo sido comemorada por milhares profissionais em processo de revalidação de seus diplomas e que anseiam por atuar na crise. Para a população nordestina, a Brigada fortalece a esperança de que, mesmo com todas as dificuldades, a região pode seguir unida e forte na minimização dos impactos negativos da pandemia.

*Rinaldo de Castilho Rossi – Mestre em Geografia/UFBA, vinculado ao Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais
*Simone Affonso da Silva – Doutora em Geografia Humana/USP, vinculada ao Laboratório de Estudos Regionais da USP

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