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#Bahia: Professora de português de 55 anos vive há cinco meses em aeroporto de Salvador; entenda a situação

Professora tem passado noites e, inclusive, boa parte dos dias no aeroporto de Salvador | FOTO: Rafael Martins/UOL |

A professora de Língua Portuguesa, Oceya de Souza, de 55 anos, enfrenta uma situação surreal. Suas noites são dentro de um aeroporto há cinco meses, em Salvador. Ela, que é formada em letras em uma universidade particular, já havia passado alguns períodos nesse espaço e em rodoviárias antes, mas de acordo com ela, esse é o maior tempo que ela já morou no local por não conseguir pagar um aluguel.

A professora do colégio estadual Thales de Azevedo tem passado todas as noites e, inclusive, boa parte dos dias, sobre as cadeiras azuis do aeroporto internacional Deputado Luís Eduardo Magalhães, na capital baiana, onde transitam diversas pessoas diariamente.

No aeroporto, não é permitido ficar no chão. No entanto, a professora conta que quando o frio do ar-condicionado fica forte, ela dribla a segurança, aconchega-se em um trocador de bebês do banheiro feminino e dorme por ali mesmo.

Sua rotina fora do aeroporto é mais em busca de doações, indo atrás de mantimentos em bairros vizinhos. “Tenho um grupo de amigos e conhecidos que me ajudam. São colegas professores, feirantes que doam alimentos e até um vereador que me ampara. Sobrevivo graças a eles”, diz ela.

Desde janeiro ela passou a ser “inquilina fixa” do terminal aeroviário, por não ter mais condições de pagar o aluguel. A docente já havia enfrentado outros momentos no aeroporto e na rodoviária de Salvador, mas este período foi o mais longo sem um teto, para chamar de seu.

Covid-19
A professora chegou a ter covid-19 em maio de 2020, logo nos meses iniciais da pandemia no Brasil. Ela conta que precisou ser internada, necessitando de aporte de oxigênio, mas não foi intubada.

Neste momento difícil, recebeu ajuda de custo de um projeto chamado Pós Covid, que lhe deu a possibilidade de alugar um quarto por uns meses.

Decolagem no tempo
De repente Oceya viu sua vida virar de cabeça para baixo. Em sua visão, alguns motivos podem ser listados para essa condição. Em 2008, um deles e o mais importante foi o problema de saúde, ao ser diagnosticada com fibromialgia, síndrome caracterizada principalmente por dores crônicas e generalizadas pelo corpo.

Foi a fibromialgia que a afastou das atividades no colégio Thales de Azevedo. Em dado momento, sua solicitação de aposentadoria à secretaria de Educação do Estado da Bahia não teria sido aceita. Oceya cita uma série de funcionários da própria escola e da secretaria que a teriam perseguido.

“Eu me aposentei, morri ou continuo ativa? Só queria saber isso. Por que já me tiraram da folha?”, questiona. Ela é solteira, sem filhos e começou a viver de ajuda de irmãos e colegas. A sua mãe faleceu quando ela ainda tinha seis meses de nascida e o seu pai morreu no início da pandemia, o que fez com que sua vida passasse por outra reviravolta.

“Meus irmãos ficam com o dinheiro da pensão e pararam de me ajudar. Você sabe como é família, né?”. Ela pontua que não consegue trabalhar em cursos ou escolas particulares por causa da doença, embora já tenha tentado a Justiça e o Ministério Público para resolver o imbróglio com a secretaria de Educação, a que ainda estaria ligada. Tanto que, diz ela, não consegue pegar empréstimo porque ainda seria servidora. Da mesma forma, durante a pandemia não conseguiu ter acesso ao auxílio emergencial. “Como vão me dar auxílio se eu consto como funcionária pública?”, indaga.

Questionamento
Para comprovar a fala da professora, a reportagem de TAB identificou que o nome dela aparece ligado ao Thales de Azevedo em reportagem publicada no site do jornal A Tarde, em novembro de 2008. Na ocasião, ela, como professora de redação, orientava os estudantes a assistirem telejornais e lerem revistas.

Alguns nomes citados por Oceya foram buscados. Uma professora que estudou com ela desconfia que o pedido de aposentadoria da docente tenha sido indeferido. Além disso, ela admite que “Oceya não tinha condições de frequentar as aulas, o Estado pode ter considerado abandono de trabalho”, supõe, acrescentando que embora enxergue lacunas na história, acredita que algum gestor tenha atrapalhado a vida da professora.

Outra colega, que trabalhou também no Thales, disse que acredita que “um conjunto de coisas a levou a essa condição, inclusive algo psíquico”, informa.

Vida
Ela nasceu em 1966, em Brasília e conta que aos 6 anos veio para Salvador. No início dos anos 1990, ingressou na faculdade, e lembra que foi difícil pagar a mensalidades. Após se formar, ensinou em escolas municipais do interior, até que veio a aprovação no concurso do Estado.

Durante este tempo foi professora dos colégios David Mendes, Rogério Rêgo e Alípio Franca. Até que, em 2006, chegou ao Thales de Azevedo. Contudo, em 2008 as dores começaram a aparecer. “Quando dava 10h ou 11h, já não aguentava mais ficar em pé na frente do quadro. Precisava da ajuda dos alunos para tocar a aula”, relata.

Na época, um neurocirurgião a diagnosticou com hérnia de disco, mas ainda era pouco para as dores que sentia. O diagnóstico da fibromialgia é difícil e só ocorre com a análise de vários exames. “Eu ia para a escola me arrastando, faltava vários dias, os pais e alunos reclamavam de atraso.” No início de 2009, a coordenação do Thales de Azevedo sugeriu que a professora tirasse uma licença.

Secretaria de Educação
Segundo a secretaria de Educação do estado da Bahia, Oceya de Souza é servidora desde 2000 e deu aula nos referidos colégios, mas depois de tirar sucessivas licenças médicas e afastamentos por licença-prêmio, ausentou-se de suas funções, “ficando quatro meses fora da folha (de outubro/2009 a fevereiro/2010)”.

O pagamento foi restabelecido em março de 2010, por um processo judicial instaurado por ela, que voltou a receber salário mesmo ausente. Em 2013, pediu exoneração, e não foi atendida por suposto abandono de cargo. Os pagamentos foram suspensos em 2018, “porque a servidora não realizou o recadastramento obrigatório”.

A secretaria afirma ainda que, em duas ocasiões, Oceya faltou à perícia médica necessária para dar encaminhamento ao processo de aposentadoria. No entanto, ela nega ter faltado e diz que houve confusão no preenchimento da documentação. Jornal da Chapada com informações de TAB Uol.

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