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#Bahia: Ciganos relatam medo de morrer por serem quem são; “Somos tratados com preconceito”

Ciganos, explica a liderança, sempre estiveram à margem da sociedade | FOTO: Reprodução |

Após viver por 18 anos sem problemas em Itambé, no centro-sul da Bahia, a família de Henry (nome fictício), um cigano da etnia Calon, começou a relatar temor, perseguição e abuso por parte das forças policiais. Alguns integrantes de sua família ocupam cerca de 10 casas em um bairro da cidade, onde vivem há quase três décadas.

De acordo com Henry, na madrugada da última segunda-feira (19) um grupo de policiais militares invadiu parte das casas e teria abordado os ciganos de maneira agressiva. No dia seguinte, eles retornaram ao bairro. O cigano e a sua família precisaram sair de casa e estão agora, abrigados em lares provisórios, por temerem ficar nos imóveis.

“Imagine você dizer para uma criança que nunca viu esse tanto de polícia em sua porta: ‘ó, meu filho, nós somos ciganos e, por isso, somos tratados com preconceito’. Somos tratados pela polícia como um só”, desabafou.

Esses são apenas dois dos episódios denunciados pelas comunidades ciganas das cidades da região, após dois PMs terem sido mortos no último dia 13, no distrito de José Gonçalves, em Vitória da Conquista.

Os suspeitos de matar o tenente Luciano Libarino Neves, 34 anos, e o soldado Robson Brito de Matos, 30, são homens de uma mesma família de uma comunidade cigana. Três deles foram mortos, sendo que dois morreram na mesma ação, e outros seis estão foragidos.

Com isso, outros ciganos estão denunciando que estão sendo vítimas de excessos que teriam sido cometidos por policiais. Em uma nota pública divulgada no final de semana, mais de 100 entidades, pesquisadores e ativistas dos direitos humanos denunciam o que mencionaram sendo “verdadeira caçada e matança” das famílias da região pertencentes à etnia.

Segundo o documento, além dos ciganos suspeitos de envolvimento na morte dos PMs, ao menos 15 pessoas foram baleadas. Na nota, o grupo pede que o governo da Bahia e entidades como Ministério Público do Estado (MP-BA) e o Ministério Público Federal (MPF) façam uma intervenção pelo fim dos atentados. Há vídeos que circulam entre as comunidades que exibem imóveis e veículos que seriam de propriedade de ciganos sendo queimadas e destruídas.

Estatística
Não há uma estatística oficial quanto à presença de ciganos no país ou no estado, nem mesmo o Censo de 2010. Contudo, representantes de entidades ciganas estimam que eles estejam em cerca de 30% das cidades baianas, incluindo Salvador, Feira de Santana e Porto Seguro. Em Itambé, há cerca de centenas de ciganos.

A maioria dos ciganos deixaram as suas casas, sem previsão de retorno, assim como Henry e a sua família. “Eu acreditava que a PM tivesse crédito, mas hoje me parece que se tornou uma milícia. Eu achava que só existia isso em São Paulo e no Rio, mas pudemos comprovar que tem acontecido justamente com a gente, que não tem culpa, que é minoria, que não tem voz e não é visto. Nós somos vistos pela população como uma quadrilha de ciganos. Não veem que foi uma família específica que fez aquele crime”, diz Henry.

Discriminação
Para o presidente do Instituto Cigano, Rogério Ribeiro, inocentes têm sido vítimas até mesmo de tortura. “Os povos ciganos já sofrem muita discriminação muitos estereótipos. Esse tipo de ocorrência acaba abalando todos nós, pois muitas pessoas acabam generalizando, querendo punir todos os ciganos e não é assim”, salienta.

Há situações relatadas de possíveis torturas com outros membros da comunidade em uma localidade próxima a Itiruçu, também no Centro-Sul. De acordo com lideranças, ciganos sempre estiveram à margem da sociedade. No Brasil, frequentemente são tratados como bandidos, de acordo com eles.

Medidas
Não há, apesar das denúncias das entidades ciganas, registro de ocorrência sobre os atentados que os ciganos teriam sofrido, conforme o delegado Fabiano Aurich, titular da 10ª Coorpin (Vitória da Conquista).
“Polícia Civil depende que o fato seja comunicado oficialmente. Se a pessoa quer uma providência, tem que vir registrar a ocorrência. A PM também tem sua Corregedoria”, afirmou.

Já conforme a Polícia Militar, os dois policiais foram mortos enquanto trabalhavam no serviço de inteligência da 92ª CIPM (Área rural de Vitória da Conquista).

Eles teriam ido ao distrito de José Gonçalves para fazer um levantamento a partir de denúncias de homens armados que estariam cometendo roubos, furtos e agressões. Na ocasião, pararam em uma emboscada por um grupo formado por oito homens.

Quanto à abordagem em Itambé, a corporação afirmou que suas ações são pautadas em técnica policial e “na necessidade de garantir os direitos humanos do cidadão, independente de etnia, gênero ou crença”. De acordo com a PM, as denúncias de desvio de conduta estão sendo imediatamente apuradas. Contudo, não houve registro na Corregedoria até o momento.

A Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado (Sepromi) disse que enviou ofício à Secretaria da Segurança Pública (SSP) solicitando atenção e garantia dos direitos humanos à população cigana, além de apuração rigorosa e responsabilização dos culpados nos episódios.

A Sepromi diz que está sendo informada pela SSP sobre orientações à operação e que está em diálogo com representações das organizações ciganas.

Enquanto que o MP-BA informou que acompanha o inquérito sobre a morte dos PMs, assim como a morte dos ciganos. O órgão não respondeu sobre as denúncias de excessos por parte dos policiais, mas informou que está aguardando a conclusão dos inquéritos para adotar providências legais. Jornal da Chapada com texto base do Correio 24 horas.

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