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#Brasil: Proposta de testes em massa contra covid-19 não sai do papel dois meses após anúncio

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga | FOTO: Geraldo Magela/ Agência Senado |

Dois meses após o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciar ter elaborado um novo plano de testagem em massa contra a Covid, a proposta de trazer diagnósticos para até 26,6 milhões de pessoas por mês ainda não saiu do papel.

A pasta já avalia mudanças, enquanto busca recursos extras no Ministério da Economia para novas compras de testes para os próximos meses.

A proposta de ampliar a testagem havia sido anunciada no fim de maio e chegou a ser aprovada em reunião com secretários estaduais e municipais de saúde.

Na época, o ministro falava em implementar a medida em poucos dias, mas o baixo número de testes adquiridos para a iniciativa até ali —3 milhões— já indicava dúvidas sobre o cumprimento desse prazo.

A expectativa inicial do plano era ofertar entre 10,7 milhões a 26,6 milhões de testes por mês.

O mote principal seria o uso de testes de antígeno, considerados mais rápidos que o modelo de RT-PCR (tido como padrão-ouro), e com maior nível de precisão se comparados a testes sorológicos. Outros testes, no entanto, também eram incluídos na proposta, embora em menor volume.

Na prática, o programa previa três eixos. O primeiro incluiria testes para pessoas com sintomas suspeitos de Covid atendidas em unidades de saúde, com uso de RT-PCR.

Já o segundo envolveria uma “busca ativa” a ser feita em empresas e em locais de grande circulação, como escolas, terminais de ônibus e aeroportos, com possibilidade de exames semanais a algumas categorias de trabalhadores, mesmo assintomáticos.

O último eixo envolveria pesquisas já anunciadas para mapear a prevalência, no país, da infecção pelo novo coronavírus, por meio de testes sorológicos.

Questionado, o secretário-executivo da Saúde, Rodrigo Cruz, admite que a implementação do novo plano tem levado mais tempo do que o previsto.

“De fato demorou um pouco mais do que gostaríamos. Algumas questões operacionais foram discutidas. Por exemplo: se fez o teste de antígeno e deu positivo, vai dar um laudo? Pedir que baixe aplicativo para ver o resultado? Não basta só testar, é importante ter um fluxograma do que fazer se testou positivo”, disse à Folha na última semana.

A reportagem apurou, porém, que o temor de técnicos em encaminhar processos de compra em meio às investigações da CPI da Covid também colaborou para esse atraso.

Ao mesmo tempo, o total a ser adquirido e ofertado em testes de antígeno ao mês também passou a ser revisto pela nova secretaria de enfrentamento à Covid.

A medida é justificada por membros da pasta como forma de adequar a oferta à produção da Fiocruz, prevista para ser uma das fornecedoras, além das mudanças no cenário da epidemia.

O grupo, porém, ainda reavalia quais seriam as metas de testagem. O total negociado com a Fiocruz compreende 60 milhões de testes e kits de coleta até o fim deste ano, montante que ficaria já abaixo da meta máxima do plano.

Deste total, 14 milhões devem ser entregues nos primeiros meses da estratégia. O cronograma completo não foi informado. Outras licitações para compras extras também são esperadas, dizem membros da Saúde.

Em nota, a Fiocruz diz que aguarda a formalização do acordo para entrega dos testes. O investimento é estimado em R$ 1,2 bilhão.

Recursos, aliás, são outro ponto de entrave para avançar no processo. Questionado, Cruz diz que a pasta tem dinheiro para uma primeira etapa, mas verbas extras seriam necessárias. Um pedido de cerca de R$ 400 milhões em créditos extraordinários foi feito em reunião com o Ministério da Economia para garantir novos testes para os próximos meses, afirma.

Questionada, a Economia afirmou que só se manifesta sobre propostas formalizadas e definidas.

A reportagem também voltou a questionar a Saúde sobre a previsão de implementação do novo plano, mas não teve resposta.

Essa não é a primeira proposta de ampliar a testagem que demora ou não sai do papel.

No ano passado, o Ministério da Saúde chegou a anunciar que distribuiria 46 milhões de testes contra a Covid ao longo de todo o ano de 2020, mas a meta não foi cumprida.

A dificuldade em cumprir as metas evidencia o quanto o país enfrenta atrasos em políticas básicas, afirma Lorena Barberia, professora da USP e membro do Observatório Covid-19 BR.

“Temos uma escassez de testes no Brasil, muito abaixo do nível necessário”, diz. “E nunca se chegou a sinalizar para a população a importância do diagnóstico. Isso deveria estar na linha de frente de resposta à pandemia.”

Ela questiona a falta de dados que permitam um maior acompanhamento da testagem no país e o modelo previsto para a nova estratégia.

“Uma meta de 20 milhões de testes por mês é perto do que se fez em meses de esforço. Para chegar a isso, é preciso publicar um plano que mostre quem seria testado, e como”, afirma.

Tatiane Moraes, pesquisadora vinculada à Fiocruz e que realiza estudos sobre a política de testes em conjunto com Barberia, avalia que o ideal seria que os novos testes de antígeno fossem destinados a locais de mais difícil acesso ou para aumentar o monitoramento de pessoas possivelmente mais expostas ao vírus.

Questionados sobre a viabilidade do novo plano de testagem, secretários de saúde dizem ver avanços com a proposta, mas questionam o atraso na implementação.

“Com o barateamento dos testes de antígeno, essa tecnologia deveria ter sido incorporada há muito mais tempo. A meta [de testar até 26,6 milhões por mês] é um avanço gigantesco, mas chega atrasada”, diz Nésio Fernandes, secretário de saúde do Espírito Santo e vice-presidente do Conass, conselho que reúne gestores estaduais da área. “Ainda assim, a tentativa de ampliar é uma decisão acertada.”

Ele lembra que a oferta de testes de antígeno já era alvo de pedidos dos gestores desde o último ano. Em junho, 2,4 milhões desses testes foram distribuídos, situação que chegou a ser anunciada como uma primeira etapa do novo plano.

O objetivo era aumentar o rastreamento de casos de Covid diante da descoberta de novas variantes, como a delta. Não houve, porém, novos avanços na distribuição desses testes desde então.

Além disso, dados do Ministério da Saúde mostram uma queda na média diária de testes RT-PCR em junho em relação a meses anteriores —de 68,4 mil por dia em maio, passou a 58,4 mil em junho.

Para Moraes, a queda mostra que o Brasil ainda está longe de usar a testagem como forma de controle.​

“O Brasil se acostumou a falar que só com a vacinação poderia controlar a pandemia, o que não é verdade. Temos vários países que mostravam epidemia mais controlada antes da vacinação porque adotavam isolamento e rastreamento de contatos, medidas que começam na testagem.”

A reportagem questionou o Ministério da Saúde sobre a queda recente de testes e para comentar pontos extras do novo plano, mas a pasta não respondeu. A redação é da Folhapress via site Política Livre.

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