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#Especial: Documentário ‘Môa, Raiz Afro Mãe’ celebra legado cultural e reforça ancestralidade de mestre baiano vítima de intolerância política

Moa do Katendê foi morto a facadas | FOTO: Reprodução/Facebook |

No dia 8 de outubro de 2018, o nome de Môa do Katendê tomou os noticiários de todo o país após o mestre de capoeira ter a vida interrompida pela intolerância política. Cinco anos após o crime que fez o multiartista e educador se tornar conhecido internacionalmente, chega aos cinemas, nesta quinta-feira (3), o documentário “Môa, Raiz Afro Mãe”.

O documentário começou a ser construído e gravado ainda com Môa em vida, em 2018, tendo como base os ensinamentos dele: é preciso “reafricanizar” a juventude, e isso inclui a branquitude. O desejo do mestre sempre foi combater a desigualdade sociorracial por meio da valorização da cultura afro-brasileira.

Além de biográfico, “Môa, Raiz Afro Mãe” se entrelaça com a ascensão das manifestações africanas na Bahia, a exemplo dos afoxé e blocos afro do Carnaval de Salvador, e do desenvolvimento do próprio Carnaval, que perpassa essencialmente pela negritude, principalmente pelos artistas.

O diretor Gustavo McNair conheceu Môa enquanto o multiartista gravava o disco “Raiz Afro Mãe”, nome que também batizou o documentário. Foi a partir das histórias e sabedoria do capoeirista que surgiu a proposta de fazer o filme.

“Môa falava muito que era preciso reafirmar a juventude para a gente se conectar com a nossa identidade cultural. Essa obra é também sobre a identidade brasileira”.

Cartaz de “Môa, Raiz Afro Mãe”, documentário sobre a vida e o legado de Mestre Môa do Katendê | FOTO: Divulgação |

Última entrevista do artista
O primeiro encontro entre Môa e McNair aconteceu no início de 2018, quando o baiano foi até São Paulo para se reunir com uma produtora de áudio. Na época, ele queria regravar algumas de suas músicas em uma roupagem mais moderna, para atingir o público jovem.

Foram os donos da empresa que apresentaram os dois, e o produtor prontamente se interessou por contar a história do “Moço lindo do Badauê”, homenageado pelo amigo Caetano Veloso na letra da icônica música Beleza Pura.

Ao longo de todo aquele ano, houve muitos encontros entre Gustavo e Môa. Inclusive, a última entrevista concedida pelo baiano foi justamente para o documentário. O diretor revelou ao g1 que a gravação não seria usada no material final, serviria de base apenas para a etapa de pré-produção. Com a morte do capoeirista, a conversa intimista em frente à câmera entrou para a história.

“A gente revisitou essa entrevista e ela ganhou um novo significado. A gente percebeu que ele estava falando ali tudo que ele queria falar, trazendo os temas principais do filme, então a gente acabou costurando”.

Documentário sobre Mestre Moa do Katendê tem estreia em Salvador; Gilberto Gil e Lazzo Matumbi participam de longa | FOTO: Divulgação |

“Em 2018, a gente aproveitou todos os momentos que ele tinha disponíveis para encontrá-lo, conversar, ouvir o máximo possível das histórias dele e do que ele queria que tivesse no filme. Das pessoas que a gente tinha que falar, quem conhecia bem a história dele e a vida dele, quem ele confiava, isso acabou sendo muito fundamental na frente”, contou Gustavo ao g1.

Não há exagero em dizer que as pessoas convidadas pelo documentarista são do mesmo quilate: Gilberto Gil, Mestre Plínio, Lazzo Matumbi, Negrizu, Gabi Guedes e o saudoso maestro Letieres Leite, que revolucionou a mistura do erudito com o popular, com a Orkestra Rumpilezz, e morreu em 2021. “A riqueza desse universo tem o potencial de exaltar a grandeza da cultura brasileira genuína e provocar reflexão e engajamento”, disse o diretor.

“Em pleno desencantamento da democracia racial e retomada da narrativa identitária por personagens negros, figuras como as de Môa e dos artistas que cantam e falam de cultura originária, ensinando através da arte e projetando a ancestralidade para o presente e futuro, são fundamentais para apresentar caminhos de reconexão afetiva com uma identidade comum”, argumenta Gustavo.

As camadas narrativas do documentário passam não apenas pelo lado didático e racional, de reconstrução identitária, mas também pela emoção, como destaca o diretor de “Môa, Raiz Afro Mãe”.

“Tem também esse lado de cativar, de emocionar as pessoas, porque essa cultura é muito corporal. Ela é muito baseada em rituais de presença, circulares. Então, a gente tinha que trazer isso no filme. Por isso que o filme não podia ser só falas, não podia ser só depoimentos, entrevistas. A gente tinha que trazer cenas que trouxessem essa emoção, que fossem mais orgânicas, então tem cenas de capoeira, tem cortejos, de afoxé, homenagens ao Badauê”, enumera.

Gustavo aponta que o afoxé Badauê, inclusive, sofreu apagamento histórico e é um movimento quase desconhecido da juventude. O grupo afro foi liderado por Môa entre as décadas de 1970 e 1990, em conjunto com moradores do bairro Engenho Velho de Brotas, na capital baiana.

“Môa falava sobre o apagamento dos artistas pretos que não ganham o reconhecimento merecido em vida por causa de uma lógica racista mesmo. Então essa camada temática do filme também está ali. A intenção desse documentário é contar a história do Môa, como uma forma de acesso à nossa cultura originária afro-brasileira.”

Mestre Môa cantava a pedra batida por muitos filósofos e sociólogos brasileiros contemporâneos e posteriores a ele: o futuro é ancestral. É impossível trilhar caminhos duradouros para a educação e a cultura sem visitar os que vieram antes – sejam pessoas ou tradições. Moa, assegura Gustavo, queria falar com juventude negra da Bahia, e trazer ela para mais próximo das manifestações da ancestralidade”.

“Môa falava que a gente tem que recorrer à nossa ancestralidade. Está tudo ali para que a gente tenha um futuro possível. Os ensinamentos e lições estão na ancestralidade. A gente tem que conhecer e se aproximar disso. O que fizemos foi um filme sobre um homem que amava, e que tentava ensinar isso para frente como uma forma de liberdade de um Brasil mais possível”, complementa.

Quando vivo, Mestre Môa já era um ancestral. Agora que partiu, deixou para os mais novos sua herança em diversas frentes de manifestações de origem africana.

“Môa transpirava a cultura, ensinamento, sabedoria, ancestral, e é com isso que a gente precisa se conectar. A nossa ignorância em relação à nossa cultura original é por preconceito, por ela ser uma cultura preta. Por ignorância das pessoas, ela tende a ser diminuída e figuras como Môa, figuras de mestres que tinham e têm muita sabedoria ancestral”.

“É importante fazer essa revisitação para mostrar caminhos de reconexão, ampliar os caminhos, e iluminar caminhos possíveis para uma reconexão com a nossa cultura brasileira”. As informações são do portal g1/BA.

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