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#Chapada: Corretora famosa no Vale do Capão deixa comprador com prejuízo de R$ 130 mil após não efetuar entrega de terreno; entenda o caso aqui

O comprador adquiriu um terreno de 2 mil m² no Vale do Capão, mas não recebeu a propriedade | FOTO: Reprodução/ Wikipédia |

Em um caso de fraude imobiliária na Chapada Diamantina, um terreno de 2 mil m², adquirido por R$ 130 mil no Vale do Capão, distrito de palmeiras, nunca foi entregue ao comprador. Após a transação realizada há três anos, o proprietário não recebeu o imóvel nem a devolução do dinheiro. Pelo menos outras sete vítimas enfrentam o mesmo problema, que envolve a imobiliária Betânia Imóveis.

O terreno foi adquirido há cerca de três anos, após o comprador se encantar com a região durante uma temporada. No entanto, apesar de ter efetuado o pagamento corretamente, o comprador não recebeu o imóvel nem a devolução do valor investido.

Nos últimos quatro anos, várias propriedades no Vale do Capão foram comercializadas por Maria Betânia Soares, proprietária da Betânia Imóveis. Reconhecida como uma das corretores mais influentes da região e a primeira profissional do setor na Chapada Diamantina, Betânia recebeu uma média de R$ 480 mil por cada transação.

A corretora enfrenta quatro processos judiciais, tanto cíveis quanto penais, e está sob investigação do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci) devido a três denúncias de transgressão das normas éticas. As possíveis sanções incluem advertência, suspensão, multa e até cancelamento do registro profissional.

Embora os entrevistados optem por manter o anonimato, suas histórias são consistentes. Segundo eles, a corretora apresentou um contrato de compra e venda, recebeu o pagamento e prometeu entregar o terreno em um prazo específico. Quando a data chegou, começaram a surgir desculpas.

Os compradores relataram que, devido às restrições impostas pela pandemia de covid-19 e à reputação sólida de Betânia, que havia conduzido empreendimentos bem-sucedidos e negociado com conhecidos, foram mais tolerantes com os atrasos.

“Primeiro teve um problema no dia que seria colocada a cerca ao redor do terreno. Depois, a cartógrafa adoeceu. Aí depois o material estava quebrado. Depois, ela adoeceu”, relata um dos investidores. “Aí, nunca recebemos. Seria um investimento de uma vida”, lamenta.

O comprador baiano relatou que, mesmo após a compra do terreno, a corretora continuou a anunciar a propriedade no Instagram, como se ainda estivesse disponível para venda.

Betânia Soares, que conta com quatro mil seguidores no Instagram, usa a plataforma para promover imóveis, compartilhar selfies e postar vídeos motivacionais. Em uma de suas publicações, ela se descreve como filha de garimpeiro e pioneira do mercado local, destacando sua capacidade de realizar “sonhos de famílias”. Entre seus clientes estão figuras públicas, como evidenciado por uma postagem em março deste ano, onde aparece ao lado de um ator global com a legenda: “Mais um cliente satisfeito”.

Em resposta às alegações, o escritório Bizerra Advocacia Especializada, representado pelos advogados Thalis Bezerra e Jefferson Souza, emitiu uma nota defendendo a integridade da corretora. A nota afirma que Betânia foi vítima de um “terceiro”, cujo nome não foi revelado, e que a corretora teria sido prejudicada por essa pessoa. A reportagem não conseguiu identificar o referido indivíduo.

Investidores recorrem à Justiça para exigir a devolução dos valores pagos
Desde o início da pandemia em 2020, o Vale do Capão experimentou um boom tanto imobiliário quanto populacional. Atraídos por uma vida mais tranquila, próxima à natureza e distante do ritmo frenético das grandes cidades, novos moradores e investidores de várias partes do Brasil começaram a enxergar o Capão como uma oportunidade.

Antiga vila nativa que ganhou popularidade entre os alternativos nos anos 1980, o distrito enfrenta uma dicotomia. Envolto em disputas sobre a ocupação e invasão de áreas de proteção ambiental, o Capão também debate questões sobre seu futuro, como a possível asfaltagem da estrada de acesso ao local.

Embora não haja uma estimativa oficial da população do Capão, a cidade vizinha de Palmeiras, com seus 10,3 mil habitantes, serve como referência. Desde o ano 2000, Palmeiras viu um crescimento populacional de 23%, o maior da história, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Esse crescimento acelerou o mercado imobiliário. Nas proximidades do Vale, o preço do metro quadrado é de R$ 150, enquanto em áreas mais afastadas o valor cai para R$ 50. Casas já construídas podem ser vendidas por milhões, similar ao que ocorre no Litoral Norte da Bahia, que também está passando por um crescimento sem precedentes.

No Capão, 19 corretores têm autorização do Creci para atuar em três das cidades mais turísticas da Chapada — Palmeiras, Mucugê e Lençóis. Betânia, uma corretora local, ganhou destaque. Ela chegou a abrir uma loja na vila do distrito, que agora está fechada, e no ano passado alugou uma sala no Shopping Paseo, em Salvador, para um estande de vendas, mas desistiu posteriormente, segundo uma fonte do local.

Alguns compradores que pagaram por terrenos através da corretora suspeitam que Betânia tenha vendido áreas loteadas sem a devida autorização dos proprietários, que desejavam vender os terrenos em sua totalidade. Essas suspeitas foram formalizadas em um boletim de ocorrência registrado contra a corretora em novembro de 2022, na Delegacia de Palmeiras, mas o andamento da denúncia ainda não foi divulgado.

Vila do Vale do Capão | FOTO: Reprodução/ Jornal Correio |

Um outro comprador acabou percebendo que não receberia o terreno pelo qual havia pago R$ 89 mil. “Descobrimos que esse terreno nunca foi dela”, pontua. Segundo ele, a corretora ofereceu outro terreno no lugar. “Porém esse igualmente não era dela”,

Em abril deste ano, ele assinou um acordo de rescisão contratual com Betânia, que previa a devolução do dinheiro. A primeira parcela deveria ser paga em abril, com o saldo restante a ser quitado até agosto. “Mas ela não pagou nem a entrada”, narrou o investidor.

“Conversei muito com ela. Inclusive fui compreensível com as desculpas que ela dava para não pagar e não entregar o terreno”, relatou. “Era cada vez uma desculpa diferente. Chorava no telefone, dizia que estava com dificuldades”.

A experiência dele foi semelhante à de um investidor que adquiriu um terreno em 2021.

“Ela [Betânia] disse que tinha adquirido o imóvel de outra pessoa. A gente pagou para ela uns R$ 180 mil. Queríamos investir lá, porque o Capão tem uma possibilidade boa de futuro. A gente foi lá formalizar o negócio. Mas ela não tinha comprado [esse lote] que estava vendendo. Falamos com ela, ela disse que se atrapalhou, e que ia resolver, mas não resolveu”.

Segundo ele, ambos perceberam que o terreno não seria entregue quando retornaram ao Capão. Ao chegarem à área que acreditavam ter comprado, encontraram uma placa de “Vende-se”. No entanto, a placa pertencia ao verdadeiro proprietário, e a corretora responsável era outra, conforme relatado.

De acordo com a nota enviada pela defesa de Betânia, representada pelos advogados Thalis Bizerra e Jefferson Souza, o problema teve início em 2021 quando “foi criado um grupo para aquisição e posterior loteamento de terrenos”. À frente do negócio, confirma a nota, estavam “Betânia, sem participação da sua imobiliária e um terceiro não mencionado por questões éticas”.

“Após efetuada algumas vendas para pessoas próximas (que inclusive já foram clientes da assistida) e os respectivos valores terem sido utilizados para custeio da infraestrutura do local”, prossegue o documento, “o terceiro desistiu do negócio, deixando a Sra. Maria Betânia com prejuízos de ordem moral e financeiros, perante aproximadamente seis pessoas”.

A nota insiste que, “independente dos danos sofridos, a Sra. Maria Betânia procurou todos os credores para efetuar os respectivos distratos comerciais e repassar-lhes os valores anteriormente pagos com correção monetária”. Mas afirma que o compromisso não foi honrado, ”tendo em vista os altos índices de multas e juros aplicados por representantes dos credores e estando a hoje representada, desassistida de assessoria jurídica”.

Por último, os advogados afirmam que foi elaborado um plano de “gerenciamento de crise financeira e entrou-se em contato com todos os credores para oferecer-lhes propostas de negociação”. “Em relação às demandas judiciais, estas estão sendo acompanhadas de perto e terão a mesma tratativa voltada à conciliação”, conclui.

Investimento sem escritura
Os investidores adquiriram o terreno sem a escritura, que normalmente inclui detalhes como a metragem total do lote. No entanto, não estranharam o método, pois, conforme afirma um comprador, “a maioria dos lotes no Capão é vendida dessa maneira”.

“O que se fez é, após um tempo, entrar na justiça pra regularizar a escritura”, conta.

Uma estatística revela parte do problema: na comarca de Iraquara, que abrange três municípios, há 14 ações judiciais em andamento relacionadas a usucapião, um processo pelo qual a propriedade é adquirida após um período de ocupação. Desses processos, metade diz respeito a terrenos no Capão.

Os terrenos vendidos na região eram originalmente partes de fazendas, pequenas propriedades de agricultores e garimpeiros, além de áreas ocupadas por posseiros e grileiros. Segundo o antropólogo Yann Pellissier, que estudou o Capão durante seu mestrado na Ufba, a região passou por vários ciclos econômicos, com destaque para a extração mineral e o cultivo de café até os anos 1950.

O declínio dessas atividades resultou em êxodo rural até que a descoberta da cachoeira da Fumaça em 1952 trouxe notoriedade ao distrito. Em 1953, a prefeitura de Palmeiras criou o distrito de Caeté-Açú, mas o nome popular “Vale do Capão” permaneceu devido à sua característica geográfica.

Nas décadas seguintes, o Capão cresceu, com um foco econômico voltado para o turismo e o neo-ruralismo, conforme mencionado por Pellissier. Novos moradores começaram a chegar, adquirindo lotes ou se estabelecendo em comunidades hippies.

Um desafio significativo para a regularização imobiliária no Capão é a venda de áreas que ainda não foram oficialmente desmembradas em lotes. O processo de desmembramento, que deve ser feito em cartório, tem um custo variável dependendo do tamanho e localização do terreno.

Além disso, a legislação proíbe a lotação de áreas rurais para preservar zonas agrícolas e evitar a destruição de modos de vida locais. As cidades devem definir, em seus planos diretores, as zonas urbanas, rurais e de expansão.

Atualmente, o Ministério Público da Bahia (MP) investiga a existência de 26 loteamentos e condomínios legais em quatro municípios da Chapada Diamantina — Iraquara, Ibicoara, Lençóis e Mucugê. O MP solicitará um levantamento para Palmeiras, onde está localizado o Capão.

Embora a confusão territorial possa ser atribuída ao histórico de ocupação da área, quem recebeu o pagamento pela venda de um terreno tem a responsabilidade de entregá-lo. Antes de realizar uma compra, é possível solicitar uma certidão que confirme se o imóvel ou lote é legalmente válido e pode ser transferido. Isso pode ser feito por meio da matrícula do bem em um cartório, com um custo de R$ 14.

“É importante que a documentação do imóvel esteja completa. Sem escritura desse bem, a pessoa não tem a propriedade. O comprador ainda terá que registrar essa escritura. Existe um ditado: ‘quem não registra não é dono’”, explica Moisés Gomes, advogado especialista em direito imobiliário e corretor.

A ausência desse documento pode acarretar problemas, alerta o advogado. Ele usa um exemplo pertinente ao Capão: no caso de uma construção de estrada, o Estado fornecerá indenização se o terreno ou imóvel possuir escritura; caso contrário, podem surgir complicações.Jornal da Chapada com informações do portal Correio.

Nota da Defesa

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