Durante o mês de setembro, dedicado à prevenção do suicídio e à conscientização sobre saúde mental, pesquisadoras da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) trouxeram à tona os desafios enfrentados pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) no interior da Bahia. Em entrevista ao Bahia Notícias, elas apontaram problemas que vão desde o estigma social até a precarização do trabalho e interferências políticas que afetam diretamente a qualidade do atendimento.
A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que integra os CAPS, desempenha papel fundamental no cuidado à saúde mental. A enfermeira e pesquisadora Iandra Ferreira explica que a rede oferece diferentes níveis de assistência, incluindo CAPS, Residências Terapêuticas e unidades de acolhimento.
“A RAPS é a porta de entrada para um sistema amplo e fundamental de saúde, principalmente no interior. Ela oferece assistência em diversos níveis de complexidade”, destacou.
A pesquisadora Sinara Souza, líder do estudo, ressalta que há grande desigualdade na distribuição desses serviços.
“Cada município vive essa realidade de forma única. Enquanto cidades como Feira de Santana possuem uma rede mais estruturada, municípios menores enfrentam desafios ainda mais profundos”, afirmou.
Dados do Observatório de Saúde Pública (OSP) revelam a crescente demanda por cuidados especializados. Em 2024, centenas de internações por depressão foram registradas na Bahia. Entretanto, a precarização das condições de trabalho dos profissionais, marcada por salários baixos, atrasos nos pagamentos e vínculos frágeis, prejudica o atendimento.
Altas taxas em municípios pequenos
Os dados do OSP mostram que, proporcionalmente, cidades menores registram índices mais altos de mortes relacionadas à depressão.
• Ibicaraí: 15 mortes por 100 mil habitantes
• Morpará: 12,5
• Pau Brasil: 10,9
• Rodelas: 10,8
• Itapebi: 10,3
• Mulungu do Morro: 10
Em comparação, os números são mais baixos em cidades maiores: Feira de Santana (0,7), Salvador (0,5) e Vitória da Conquista (0,6). As pesquisadoras alertam que, apesar do maior número absoluto de casos nas cidades grandes, a proporção nas pequenas é preocupante, principalmente devido à falta de infraestrutura e serviços especializados.
Consórcios e dificuldades financeiras
Segundo Iandra Ferreira, muitos municípios menores se unem por meio de consórcios intermunicipais para manter os serviços em funcionamento.
“O financiamento é muito pouco, não é todo município que consegue manter um equipamento como esse, com equipe multidimensional. A demanda é gigantesca, e o subfinanciamento torna essa política cada vez mais urgente”, explicou.
No entanto, questões políticas muitas vezes prejudicam a continuidade desses projetos. Sinara Souza cita como exemplo o caso de Riachão do Jacuípe, onde o CAPS Itinerante foi desativado após mudanças na gestão municipal.
“Com a virada política, o prefeito removeu os recursos e demitiu o enfermeiro responsável, desmontando um projeto essencial para a população rural”, alertou.
O CAPS Itinerante atendia moradores de áreas remotas do município, que possui 33 mil habitantes, sendo quase metade deles na zona rural, segundo o Censo do IBGE de 2022. A iniciativa, elogiada pelo Conselho Regional de Enfermagem (Coren-BA), levava atendimento psicológico a pessoas que não tinham acesso aos serviços de saúde mental.
Falta de unidades especializadas
Em junho de 2024, a Bahia contava com 281 CAPS, distribuídos da seguinte forma:
• 18 unidades para dependência de álcool e drogas
• 12 unidades voltadas para crianças e adolescentes
• 205 unidades em municípios com até 15 mil habitantes
Mesmo com esse número, a rede ainda carece de unidades de acolhimento para adultos e CAPS III, que funcionam 24 horas, limitando o atendimento em casos mais graves.
Estigma e preconceito
Além dos desafios estruturais, o estigma social em relação aos usuários do CAPS continua sendo uma barreira.
“A sociedade precisa entender a importância da atenção à saúde mental, especialmente no interior. Existe uma violência simbólica contra quem frequenta os CAPS, dificultando a aceitação e o acolhimento dessas pessoas”, ressaltou Sinara Souza.
Campanhas de conscientização têm sido realizadas, como a ação em Feira de Santana, que reforça a importância de enxergar os usuários como cidadãos que merecem atendimento digno.
“As redes sociais têm muitos memes que tratam os CAPS de forma irônica, o que é uma violência. É preciso compreender que essas pessoas têm direito de serem atendidas também na atenção básica, como qualquer cidadão com outras condições de saúde”, afirmou Sinara.
Serviços residenciais
Além dos CAPS, a Bahia conta com Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), casas destinadas a pessoas com transtornos mentais que passaram longos períodos em hospitais psiquiátricos. Atualmente, o estado possui:
• 5 unidades SRT I
• 12 unidades SRT II
Esses números, porém, ainda são insuficientes para atender à demanda crescente.
Jornal da Chapada

