Atender o celular, dizer “alô” e receber apenas silêncio do outro lado tornou-se uma experiência comum para milhões de brasileiros. As chamadas silenciosas, popularmente conhecidas como ligações mudas, cresceram de forma significativa nos últimos anos e hoje são motivo de preocupação para especialistas em segurança digital.
Embora parte delas seja causada por falhas técnicas ou discadores automáticos de telemarketing, outra parcela pode estar associada à coleta clandestina de dados, validação de linhas ativas e, em casos mais graves, preparação para golpes telefônicos. O fenômeno se tornou tão expressivo que passou a ser estudado por pesquisadores das áreas de privacidade, proteção de dados e combate ao crime cibernético.
O que são as ligações mudas
O termo se refere a chamadas em que o usuário atende, mas não há retorno algum. Isso pode acontecer por diversos motivos, como discadores automáticos que ligam para milhares de números simultaneamente — muitas vezes sem operadores disponíveis para atender — ou testes de conexão feitos por sistemas de telefonia.
No entanto, o silêncio também pode ter um propósito de validação: registrar que aquele número existe, pertence a alguém real e que essa pessoa atende chamadas desconhecidas.
Quando o silêncio é intencional
O aumento de golpes digitais no país impulsionou o uso das ligações mudas como ferramenta criminosa. Organizações especializadas em fraude utilizam esse tipo de chamada como uma triagem preliminar.
O método é simples: após disparar milhares de chamadas silenciosas, os golpistas passam a utilizar a lista dos números que atenderam para novos ataques, como tentativas de engenharia social, clonagem de WhatsApp, cobranças falsas e golpes bancários.
O que acontece depois de atender
Após o primeiro contato silencioso, muitos usuários relatam receber ligações insistentes de supostos bancos, cobranças indevidas, pedidos de atualização cadastral, mensagens com links fraudulentos e até retornos internacionais de números desconhecidos.
O simples ato de atender confirma ao criminoso três informações valiosas: o número é ativo, pertence a uma pessoa real e essa pessoa tende a atender ligações desconhecidas.
Impacto na privacidade e relação com a LGPD
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) categoriza o número de telefone como dado pessoal. Isso significa que ele não pode ser coletado, utilizado ou comercializado sem justificativa legal ou consentimento.
Quando uma ligação muda resulta na criação de cadastros, perfis ou listas sem autorização, há violação clara dos direitos do titular — especialmente quando a prática está ligada a golpes ou telemarketing abusivo.
A engenharia social por trás das chamadas
Grande parte dos golpes modernos se apoia na manipulação psicológica. Saber que uma pessoa atende números desconhecidos é uma informação estratégica. Fraudadores adaptam discursos falsos simulando emergências bancárias, atualizações cadastrais ou problemas de segurança para convencer a vítima a fornecer dados sigilosos.
Exemplos de golpes comuns após ligações mudas
✔ Golpe bancário — criminosos pedem códigos SMS, dados do cartão, senha parcial ou informações pessoais.
✔ Clonagem de WhatsApp — golpistas tentam obter o código de autenticação enviado por SMS.
✔ Chamadas internacionais tarifadas — vítimas retornam a números que cobram tarifas altíssimas.
✔ Venda de dados — números válidos e validados são comercializados em bases clandestinas.
E quando não é crime?
Em muitos casos, a ligação muda vem de empresas legítimas, mas com sistemas de discagem mal configurados. Discadores automáticos ligam para vários números ao mesmo tempo e não há operadores suficientes quando o usuário atende.
O problema é que o cidadão não tem como diferenciar uma origem da outra, e por isso a recomendação é sempre preventiva.
Como se proteger
– Evite retornar chamadas de números desconhecidos, especialmente internacionais.
– Caso a ligação seja silenciosa, desligue imediatamente.
– Nunca informe dados pessoais, códigos de SMS ou informações bancárias por telefone.
– Use bloqueadores nativos do celular e aplicativos de proteção.
– Registre-se no serviço “Não Me Perturbe” para reduzir chamadas legítimas, mas incômodas.
– Desconfie de mensagens urgentes — golpes se aproveitam da pressão emocional.
Um sinal para agir com cautela
As ligações mudas são incômodas, mas podem ser também o primeiro alerta de tentativas de fraude. Em um cenário em que golpes telefônicos se tornam mais sofisticados e interligados a outras tecnologias, como deepfakes de voz, a prevenção começa pelo básico: não atender, não retornar e não fornecer qualquer dado.
Proteger um simples número de telefone significa proteger toda a cadeia digital que depende dele — identidade, contas, aplicativos e, principalmente, segurança.
Jornal da Chapada

