A Vila do Ventura, em Morro do Chapéu, já foi um dos povoados mais prósperos da região, impulsionada pela exploração do carbonato, conhecido como diamante negro, e capaz de reunir cerca de 3 mil habitantes. Hoje, apenas 20 moradores permanecem no distrito, preservando as últimas marcas de um passado que transformou a história local.
O auge da segunda fase de exploração do carbonato atraiu trabalhadores, comerciantes e famílias inteiras, transformando o distrito em um núcleo urbano vibrante. Armazéns, oficinas e pequenos comércios davam ao local um dinamismo que rivalizava com cidades maiores.
Segundo registros de um censo municipal de 1914, a vila alcançou o impressionante número de 3 mil moradores, superando inclusive a sede municipal em importância política e econômica. O historiador Marcos Gonçalves, professor da Uneb e atualmente um dos poucos habitantes permanentes, afirma que Ventura “era maior e mais influente até mesmo que Morro do Chapéu”, condição que alimentou sucessivas tentativas de emancipação ao longo das décadas.
“Até hoje, há uma certa rixa entre os dois lugares. Acredito que sejam reminiscências deste período áureo do Ventura. É interessante como a história perpetua estes movimentos”, observa o pesquisador.
Casarões e memórias
A Vila do Ventura foi fundada em 1840, quando as primeiras pedras de carbonato começaram a ser encontradas na região, ainda no fim do período regencial que antecedeu a ascensão de Dom Pedro II. Impulsionada pelo mineral, a vila cresceu rapidamente, ganhou casarões, igrejas e ruas divididas socialmente — com os mais ricos ocupando o centro e instalando seus estabelecimentos próximos ao rio Ventura.
O historiador Marcos Gonçalves lembra que os nomes das ruas retratavam bem o cotidiano movimentado da vila. “Tinha a rua Paz e Amor e a rua do Gelo, por exemplo. Esta ficava do outro lado do rio e era onde se encontravam os prostíbulos. Como no Ventura circulava muito dinheiro, não demorou para as ‘moças de função’ rapidamente chegassem. Fala-se que eram francesas, mas isso merece uma maior investigação”, pontua.
Entre as figuras mais marcantes ligadas a Ventura está o Coronel Francisco Dias Coelho, descendente do coronel Quintino Soares da Rocha. Nascido em família humilde e morador da vila, ele ascendeu socialmente como vendedor de carbonato. Com o lucro obtido, comprou a patente de tenente-coronel e entrou para a vida pública, tornando-se intendente de Morro do Chapéu em 1911. Três anos depois, com receio de perder poder, tornou-se o principal responsável por barrar a emancipação do Ventura.
Mesmo subordinada à sede, a vila manteve sua prosperidade por algum tempo. Gonçalves encontrou recortes do Correio do Sertão que mostram esse vigor. Em 1923, o jornal relatou o Terno de Reis destacando os moradores como “venturenses” e citando que “o serviço de buffet foi farto” e que “a festa foi até o amanhecer”. Outro recorte, de 25 de maio de 1945, registrou a comemoração pela rendição da Alemanha nazista, realizada na casa onde o próprio historiador mora hoje. “O jornal fala de uma longa noitada com orquestra sinfônica, além de indicar que os moradores tinham riqueza e conexões com o mundo exterior, justamente pela venda do carbonato”, narra.
Garimpo perde força
A derrocada de Ventura se tornou objeto de pesquisa do arqueólogo Railson Cotias, que estudou o tema em sua monografia de História, em 2005. Ele relata a primeira impressão ao chegar ao local: “Quando visitei o Ventura pela primeira vez, me fascinei com todos aqueles casarões e poucas pessoas vivendo lá. Pensei em duas hipóteses: ou aconteceu uma grande tragédia aqui ou uma grande ameaça, que fez as pessoas fugirem às pressas. No fim, não era uma coisa e nem outra”.
Cotias explica que localidades dependentes do garimpo vivem ciclos naturais de expansão e declínio. “Nas grandes fases, chega muita gente. Tem comércio e dinheiro circulando. Quando o mineral escasseia, as pessoas vão embora. Como Ventura não conseguiu se emancipar em tempo, não se estabeleceu como outras cidades mineradoras da Chapada, que continuaram existindo mesmo sem a força do garimpo”, analisa. Outros fatores agravaram o esvaziamento, como a seca de 1934, impactos da Segunda Guerra na exportação do carbonato e a mudança das rotas rodoviárias, deixando a vila isolada.
Hoje, o acesso ao distrito é feito por estrada de chão e por uma cancela instalada em propriedade particular. Quando o rio Ventura transborda, os moradores ficam ilhados. A energia elétrica só chegou há 11 anos, mas o isolamento trouxe tranquilidade: não há registros de violência. Tombada pelo IPAC desde 2005, a vila preserva seus casarões e ainda guarda um sítio arqueológico com pinturas rupestres de mais de 3 mil anos.
O distrito, que um dia sonhou em se tornar cidade, segue pequeno, mas carrega um passado imenso, preservado nas paredes antigas, nas memórias dos últimos moradores e nas histórias que continuam ecoando pelas ruas silenciosas do Ventura. Jornal da Chapada com informações do portal Correio.

