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Vítimas da ditadura militar relatam prisões e mortes à Comissão Estadual da Verdade

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Comissão Estadual da Verdade | FOTO: Raul Golinelli/GOVBA |

“Esperava por isso há muito tempo, poder partilhar com as pessoas aquilo que eu vivi”, disse o advogado Aurélio Miguel Pinto Dórea, ex-militante do Partido Comunista do Brasil ((PCdoB), ao depor na tarde desta segunda-feira (9) na audiência pública realizada pela Comissão Estadual da Verdade na Bahia (CEV), no Palácio da Aclamação, em Salvador. O segundo depoimento na audiência pública foi o de Diva Santana, ativista na área de direitos humanos, que perdeu a irmã e o cunhado na Guerrilha do Araguaia, ocorrida em 1974, no Pará. Ela concluiu seu emocionado relato citando o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns: “Tocar nos corpos para machucá-los e matar. Tal foi a infeliz, pecaminosa e brutal função de funcionários do Estado em nossa pátria brasileira após o golpe militar de 1964”.

O advogado Aurélio Miguel, 67 anos, contou sua trajetória no movimento estudantil em Salvador, onde foi preso três vezes pelo regime militar (1966, 68 e 71), expulso da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e só conseguiu terminar o curso na Universidade Católica de Salvador, em 1971. Ele participou também da diretoria clandestina da União Nacional de Estudantes (UNE), de maio de 1969 a outubro de 1970. Aurélio Miguel citou episódios de tortura de que teve conhecimento, um dos quais no oeste da Bahia envolvendo o sargento Queiroz, que utilizava ferro em brasa na sola dos pés do interrogado. Ela falou também da sua luta em sindicatos rurais e no então partido MDB em Feira de Santana, ao lado do ex-prefeito Chico Pinto.

Crime hediondo
Indiciada na Lei de Segurança Nacional, Diva Santana participou desde o início do Comitê de Anistia e Direitos Humanos, é uma das fundadoras do Grupo Tortura Nunca Mais na Bahia e conselheira da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, criada pela Lei 9140/95. Dinaelza Santana Coqueiro, irmã de Diva e que participou da Guerrilha do Araguaia, foi assassinada pelo Exército em abril de 1974. O marido dela, Vandick Reidner Pereira Coqueiro, também lutou no Araguaia e foi assassinado pelos militares em setembro de 1974. Os corpos dos dois nunca foram encontrados.

“Os familiares não esquecerão e também não abandonarão a luta pelo esclarecimento das circunstâncias das mortes, a localização e o translado dos restos mortais dos seus filhos, pais, irmãos desaparecidos, e lutarão até que seja estabelecida a verdade e a punição para os torturadores, considerando que a tortura, além de abominável, é crime de lesa humanidade, hediondo e inafiançável, que deve ser combatido em qualquer situação e banido do mundo”, disse Diva Santana.

Detalhes dos casos
A Comissão Estadual da Verdade na Bahia foi criada, em dezembro de 2012, por meio do Decreto Estadual 14.227, com o objetivo de apurar e esclarecer violações aos direitos humanos cometidas por agentes públicos entre os anos de 1946 e 1988, principalmente as violações ocorridas durante a ditadura militar, de 1964 a 1985. A CEV tem dois anos para apresentar um relatório que permita à sociedade baiana conhecer detalhes dos casos de opressão e violação aos direitos humanos ocorridos no estado ou com baianos fora do estado.

Vinculada ao Gabinete do Governador, a comissão estadual é coordenada pelo sociólogo, advogado e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia, Joviniano Neto. Os demais integrantes são a professora e ex-vereadora Amabília Almeida, os jornalistas Walter Pinheiro e Carlos Navarro, a pró-reitora da Ufba, Dulce Aquino, e os advogados Jackson Azevedo e Vera Leonelli.

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