Das vésperas da chamada alta estação até o Carnaval, o clima de animação com forte religiosidade toma conta da quadricentenária Salvador, capital da Bahia e primeira capital do Brasil, também banhada pela Baía de Todos os Santos, a segunda maior do mundo. É o chamado Ciclo de Festas Populares, que reúne os principais festejos de largo iniciados no período colonial em louvor a santos católicos e que, durante todos esses anos, foram sendo ampliados e atraem hoje milhares de pessoas às ruas da cidade.
A abertura do ciclo acontece sempre com a Festa de Santa Bárbara, realizada dia 4 de dezembro. Assim como em todos os festejos do período, que apresentam uma combinação de religiosidade católica com rituais de origem afro-brasileira, a celebração é também uma homenagem à orixá Iansã, para os adeptos do Candomblé. Por isso, nesse dia, os devotos também costumam oferecer caruru, além de vestir-se na cor vermelha com detalhes em branco, símbolos de veneração à entidade de matriz africana.
O dia é iniciado com uma missa na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Largo do Pelourinho, seguido de uma procissão pelas ruas do Centro Histórico até a Rua José Joaquim Seabra, também conhecida como Baixa dos Sapateiros. Um dos pontos altos da festa é a saudação no Quartel do Corpo de Bombeiros, já que Santa Bárbara é considerada a padroeira da corporação. Por ser também a protetora dos mercados, os comerciantes do Mercado de São Miguel, localizado na região, tentam manter a tradição de oferecer caruru aos participantes da festa.
Conceição e Santa Luzia
Já no dia 8 de dezembro, é a vez dos fieis celebrarem Nossa Senhora da Conceição, padroeira da Bahia, repetindo uma tradição de mais de quatro séculos. As comemorações são iniciadas com missas na Basílica de Nossa Senhora da Conceição da Praia, no Comércio, região da Cidade Baixa, a partir das 5h e a celebração solene às 9h. Em seguida, a imagem da santa segue em cortejo pelas ruas do bairro, prosseguindo com a celebração religiosa até às 19h.
Considerada a protetora dos olhos, Santa Luzia tem festa celebrada no dia 13 de dezembro e realizada na Igreja de Nossa Senhora do Pilar, na área do Pilar, também no Comércio. Além de missa e procissão, os devotos também são atraídos pela Fonte de Santa Luzia, ao lado da igreja, cuja água é tida como milagrosa. Um antigo cemitério com arquitetura neoclássica e colunas greco-romanas forma um conjunto especial ao lado do templo.
Navegantes e Santos Reis
Na virada do ano, é a vez de soteropolitanos e visitantes estarem presentes na Festa do Bom Jesus dos Navegantes, também conhecida como Festa da Boa Viagem. Com cerca de 300 anos de existência, os festejos são iniciados no dia 31, com uma procissão terrestre que leva a imagem do Senhor dos Navegantes até à Igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia. Na manhã do dia seguinte, é a vez da procissão marítima ser realizada sob o comando da galeota “Gratidão do Povo”, construída no século XIX em estilo neoclássico que, acompanhada por cerca de 400 embarcações, leva de volta a imagem para a Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem.
Nos dias 3 e 6 de janeiro, a Festa dos Santos Reis toma conta do Largo da Lapinha, na região da Liberdade, em frente à Igreja de Nossa Senhora da Lapinha. A celebração segue as tradições portuguesas de realização de cortejo dos ternos de reis, com grande animação junto ao público.
Lavagem do Bonfim
Na segunda quinta-feira após a Festa de Reis, milhares de pessoas percorrem os oito quilômetros que vão do Comércio até o alto da Colina Sagrada, localizada no Bonfim, para participar da festa em louvor ao Senhor do Bonfim. Puxado por um grande grupo de baianas, o cortejo é composto por fieis vestidos de branco – cor de Oxalá, como é conhecido o santo católico nas religiões de matriz africana – e grupos culturais, numa verdadeira demonstração de fé. O principal destaque da festa é a chegada das baianas à Basílica do Nosso Senhor do Bonfim, com a lavagem do adro e das escadarias da igreja. Uma bênção aos fieis celebrada pelo pároco da igreja finaliza a parte religiosa da manifestação popular.
Em seguida à Lavagem do Bonfim é realizada a Segunda-Feira Gorda da Ribeira, no bairro vizinho ao Bonfim e localizado na Península Itapagipana. A tradição teria sido iniciada por romeiros que participavam da lavagem e que estendiam a parte profana das comemorações até a segunda-feira.
Iemanjá
Maior celebração pública em reverência a uma divindade das religiões de matriz africana, a Festa de Iemanjá é realizada no dia 2 de fevereiro, no bairro boêmio do Rio Vermelho, na orla de Salvador. Nas primeiras horas da manhã, uma alvorada de fogos abre os festejos, que reúne diversos seguidores na Colônia de Pescadores Z1, organizadora da festa, para entrega dos presentes. Dentre os mais comuns estão flores, perfumes e espelhos, já que Iemanjá é conhecida pela beleza e pela vaidade. O momento mais marcante é a procissão marítima até o alto mar, quando são depositados os balaios com o presente principal, oferecido pelos pescadores, e os demais doados pelos devotos.
Lavagem de Itapuã
Outra festa em homenagem à Iemanjá e à Nossa Senhora da Conceição de Itapuã, a Lavagem de Itapuã foi iniciada na década de 1970 através de Dona Niçu, antiga moradora do bairro conhecido por ter sido residência do compositor e poeta Vinícius de Moraes e do “menestrel do Brasil”, Juca Chaves. Atualmente, os festejos são mantidos pelos filhos e netos da idealizadora e reúne pescadores, baianas, ciclistas, capoeiristas e cavaleiros num misto de festa religiosa e lúdica, na quinta-feira que antecede o Carnaval. A programação tem início na madrugada, com alvorada de fogos e apresentação do grupo Bando Anunciador. Horas mais tarde, baianas fazem a lavagem das escadarias da igreja e, logo após a procissão, é dada a largada para a festa profana com barracas, blocos de chão e fanfarras.