Por Eliane Kihara*
A escalada dos custos na saúde, o aumento das doenças crônicas somadas à longevidade da população apontam para um cenário difícil. O futuro preocupa tanto os gestores de planos e seguros de saúde, quanto os de hospitais. Uma alternativa ao modelo de controle de custos mais adotado no país e que pode contribuir para a redução da inflação nos gastos do setor, é o DRG (Diagnosis Related Group, ou Grupo de Diagnósticos Relacionados). O modelo já é adotado em Portugal desde 1984 e a África do Sul também conseguiu conter a inflação utilizando-o. Ainda está em tempo de promover as necessárias transformações para reverter o quadro atual no país e garantir a sustentabilidade do setor e essa é uma opção que vale a pena ser analisada.
O DRG é um sistema de classificação de pacientes que combina uma grande variedade de codificações e práticas clínicas, oferecendo bases precisas para a remuneração dos cuidados de saúde de acordo com o diagnóstico de cada paciente. Ou seja, cada diagnóstico e seus agravantes ou atenuantes contam com uma precificação a ser paga ao hospital e que considera o tratamento padrão, prazo médio de internação, materiais, medicamentos e consultas, entre outros fatores.
Na prática, significa dizer que o DRG preconiza um maior controle de custos nas internações hospitalares ao propor o estabelecimento de benchmarks para comparações – que apoia a administração hospitalar na obtenção de ganhos de eficiência ao melhorar o uso dos recursos médicos (mão de obra e equipamentos), além de preservar a qualidade de atendimento e a resolutividade. Um dos grandes méritos do sistema é adaptar-se às características locais, considerando perfis epidemiológicos e demográficos e o estágio de desenvolvimento econômico.
O modelo começou a ser desenvolvido no final dos anos 1960 pelo professor Robert Feffer, da Universidade de Yale (EUA), tendo como foco revisar a utilização de recursos e a qualidade dos serviços. Décadas de aprimoramento permitiram desenvolver o sistema que rompe com o modelo clássico de remuneração baseado em serviços prestados, conhecido como FFS (fee for service).
Nos últimos anos, a PwC tem apoiado o governo da África do Sul na implementação do DRG no sistema público de saúde, considerando a experiência internacional e as práticas mais eficientes. O objetivo é expandir o sistema adotado na saúde privada local desde os anos 2000.
O DRG se posiciona como um sistema de “compartilhamento de risco” entre hospitais e fontes pagadoras em relação ao FFS. Como cada DRG conta com valor fixo (ao contemplar materiais, medicamentos, período de permanência e toda a assistência), os hospitais passaram a olhar com mais cuidado seus processos internos, a escolha de materiais e medicamentos e tentar compreender onde era possível obter ganhos de escala e eficiência. A qualidade de atendimento também passou a ser uma preocupação maior, pois readmissões são analisadas caso a caso e pagas quando verificado que não houve erro do hospital.
No caso sul-africano, optou-se por excluir do DRG os honorários médicos, os exames laboratoriais e a radiologia. Assim, não se interferiu na autonomia do profissional, ao mesmo tempo que se criou incentivos econômicos, como gratificações e bonificações por performance. Alguns impactos já são notados na África do Sul por conta das transformações. Há cinco anos, percebe-se uma redução na inflação médica. O mérito não está em reduzir os custos, mas em conter a escalada inflacionária.
Com maior transparência e por ser o DRG os pacientes passaram a ter maior compreensão sobre cada tratamento e o cálculo da conta, o que possibilitou compreender que os gastos deveriam ser controlados na busca das soluções. Não houve queda de qualidade assistencial ou aumento de readmissões, o que era uma grande preocupação dos gestores.
Sob a ótica dos hospitais, percebe-se uma mudança importante no gerenciamento e utilização de insumos em todos os eventos do paciente, assim como uma atenção maior nos custos por evento. Muitos aumentaram suas margens ao diminuir gastos que não eram produtivos. Uma nova cultura também foi incorporada na gestão do capital humano: mais seletivos, os hospitais passaram a escolher médicos que se mostraram mais eficientes e voltados às melhores práticas.
De outro lado, as operadoras de planos conseguiram ter mais clareza sobre custos hospitalares, melhoraram a comparação entre prestadores e benchmarks, passaram a reconhecer e premiar os hospitais mais eficientes com maior direcionamento de pacientes – o que gerou também ganhos de escala e descontos maiores, identificou com mais precisão fraudes e reinvindicações incorretas e estabeleceu estratégias para encorajar a contenção de gastos. No fim, o paciente também é beneficiado porque o aumento dos custos com saúde desacelerou.
Um novo comportamento, mais focado em contenção do desperdício e na busca da eficiência, tem sido adotado na África do Sul, a partir da adoção do DRG. Isso tem alterado profundamente os relacionamentos do mercado em prol da sustentabilidade. É essa mudança que o Brasil começa a se atentar e que, na nossa visão, pode contribuir muito para a sustentabilidade do setor de saúde.
*Eliane Kihara é sócia-líder da área de Consultoria da PwC