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Ex-funcionária da Odebrecht tem documentos sobre propinas da década de 80

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O site UOL teve acesso a quase 400 documentos internos da empreiteira, a maioria datada de 1988, detalhando remessas e propinas a diversos políticos | FOTO: Reprodução |

Os pagamentos ilícitos da empreiteira Odebrecht eram realizados por um departamento criado na empresa especificamente para esse fim, conforme ficou evidenciado na 26ª fase da operação Lava Jato. Documentos indicam que o procedimentos como esses já eram operados durante o mandato presidencial de José Sarney (1985-1990), e envolviam 516 agentes públicos, empresários, empresas, instituições e políticos. Entre eles, há ex-ministros, senadores, deputados, governadores, integrantes de partidos como PSDB, PMDB e PFL (atual DEM).

O site UOL teve acesso a quase 400 documentos internos da empreiteira, a maioria datada de 1988, detalhando remessas e propinas a diversos políticos. A documentação estava de posse de uma ex-funcionária da Odebrecht. Como no esquema divulgado pela Lava Jato na última terça-feira (22), eram utilizados codinomes para os receptores dos pagamentos e as propinas eram calculadas a partir de percentuais dos valores de obras da empreiteira nas quais os agentes públicos estavam envolvidos.

A Odebrecht afirmou “que não se manifestará sobre o tema”. Todos os políticos ouvidos negaram qualquer envolvimento em esquema de propinas com a construtora. Na documentação chamada “Livro de Códigos”, havia uma lista, batizada de “Relação de Parceiros”, que detalha os codinomes de políticos, agentes públicos e empresários relacionados às obras da Odebrecht nas quais teriam atuado.

Um dos nomes que aparecem é de Antonio Imbassahy, atual deputado federal pelo PSDB – que tinha o codinome “Almofadinha”, e estaria relacionado à obra da barragem de Pedra do Cavalo, na Bahia. Imbassahy presidiu a Desenvale (Companhia do Vale do Paraguaçu) nos anos 1980, quando era filiado ao PFL. A Desenvale foi o órgão público responsável pela obra de Pedra do Cavalo.

Também do PSDB, Arthur Virgílio, atual prefeito de Manaus, recebe o codinome “Arvir”. Do PMDB, são citados Jader Barbalho (“Whisky”), atualmente senador, ligado à obra da BR-163, no Pará, e o ex-ministro de Minas e Energia, senador Edison Lobão (“Sonlo”). Os filhos do ex-presidente José Sarney, Fernando e José Filho, aparecem com os codinomes “Filhão” e “Filhote”; Roseana Sarney, como seu nome de casada, “Roseana Murad”, aparece como “Princesa”.

Na lista, está também o ex-presidente e atualmente senador recém-desfiliado do PTB, Fernando Collor de Mello (“Mel”), relacionado a um emissário submarino construido na década de 1980, quando ele era governador de Alagoas. Há também o nome de Aroldo Cedraz, atual presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), de codinome “Toldo” e ligado à obra adutora do Sesal, ele ocupava na época os cargos de presidente da Cerb (Companhia de Engenharia Rural da Bahia) e de secretário de Recursos Hídricos e Irrigação da Bahia.

“Esquema sempre existiu, sempre foi esse”
“O esquema naquela época era mais ou menos como esse divulgado essa semana, só não tão organizado assim. Esse esquema de propina, de fraudar licitações, sempre existiu na empresa. Aliás em todas as grandes, o esquema sempre foi esse”, explica Conceição Andrade, ex-funcionária da empresa e que trabalhou no departamento responsável pelos pagamentos – a antecessora de Maria Lúcia Tavares, que delatou o esquema atual na Lava Jato.

“Eram porcentagens de valores das obras. Era feito o fechamento, e determinava um percentual. A partir daí ocorria o superfaturamento e o pagamento. Tudo isso era feito através de transações bancárias e dinheiro. É bem semelhante ao que foi divulgado na Lava Jato, mas hoje tem um departamento específico para isso. Naquela época era feito em nível de gerência, mas acredito que tenha funcionado em diretoria e presidência também”, completa Conceição.

“Quando fui demitida e peguei os pertences pessoais, esses documentos estavam no meio da caixa, acabaram vindo junto. As pessoas recomendaram que me desfizesse, mas achei bom guardar. É preciso traçar um paralelo, mostrar que isso é antigo. Alguns desses crimes podem até estar prescritos, mas isso tudo mostra que o esquema vem de bem antes. A saída é reforma, não é demonizar o PT”, explica a ex-funcionária.

Investigação
Em 2015, Conceição encaminhou toda a documentação detalhando as propinas para o deputado federal Jorge Solla (PT-BA). Solla apresentou tudo em dois âmbitos: na Polícia Federal e na CPI da Petrobras. Os documentos foram entregues ao delegado Bráulio Galloni, que, por sua vez, remeteu tudo para Curitiba, sede da força-tarefa da Lava Jato. Atualmente, estão na Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros da Polícia Federal.

Outro Lado
O deputado federal Antonio Imbassahy afirmou que é “um despropósito” a menção ao seu nome na “Relação de Parceiros” da Odebrecht. “Como homem público sempre tive uma relação baseada na decência com a Odebrecht e com qualquer empresa”. O prefeito de Manaus, Artur Virgílio Neto, enviou nota ao UOL, na qual afirma:
“Meu pai, que tinha nome igual ao meu, era, nessa época, um simples senador cassado. Eu era um ex-deputado, prefeito de Manaus entre 1989 e 1992, distante dos governos federais desse período, que nunca se relacionou com a empresa Odebrecht. Não fui e não sou parceiro de empresas e, em meio a esse charco todo, sempre me mantive nos limites da seriedade pública.

Considero no mínimo precipitada a formulação da pergunta sobre “propina”. Equivaleria a eu perguntar ao jornalista se ele vende opinião em matérias ou artigos. Perdoe-me a dureza, mas sou cioso do patrimônio de honradez que herdei e que transmito aos meus filhos. Nos meus dois mandatos de prefeito, não houve nenhuma obra dessa empresa [Odebrecht]. Espero, sinceramente, que um veículo do peso e da respeitabilidade de vocês saiba respeitar a honra de quem a possui.”

Advogado responde por Lobão e Sarney
O advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, negou que seus clientes, o senador Edison Lobão (PMDB-MA) e a ex-governadora Roseana Sarney, tenham cometido qualquer ato ilícito. “O Brasil passa por um momento de criminalização da política. Isto é muito grave. Vamos afastar da atividade política, que é essencial para qualquer país, as pessoas de bem. E a delação passou a ser prova para incriminar, sem sequer investigar. Um país punitivo não serve para a democracia. A palavra do delator normalmente é falsa e estranhamente seletiva.”

O senador Fernando Collor, por meio de sua assessoria de imprensa, negou que tenha recebido “contribuições de empresas que não fossem legítimas doações de campanha” e afirmou que não se manifestará “sobre listagem apócrifa”.
O UOL ligou para os telefones do senador Jader Barbalho (PMDB-PA) e de seus assessores, mas ninguém atendeu aos telefonemas. A assessoria do TCU não respondeu aos questionamentos da reportagem. O UOL não conseguiu contato com Fernando Sarney e José Sarney Filho.

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