O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) julgará, nesta terça-feira (18), em Brasília (DF), o habeas corpus dos presos políticos goianos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), militantes da Reforma Agrária: o geógrafo Valdir Misnerovicz e o agricultor Luiz Batista Borges, encarcerados há quase seis meses; e Natalino de Jesus e Diessyka Lorena, exilados. O julgamento será feito pelos juízes da sexta turma, Maria Thereza de Assis Moura, Sebastião Reis Júnior, Rogério Schieti Cruz, Nefi Cordeiro e Ericson Maranho.
Enquanto aguarda a decisão do STJ, o MST e a rede de solidariedade que se formou em defesa da liberdade dos militantes fazem vigílias em Goiânia e em outras dez cidades do interior, em frente aos seus respectivos Fóruns. Na capital será em frente à sede do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), a partir das 13h30. No mesmo horário acontecerão vigílias em Goianésia, Rio Verde, Jataí, Goiás, Ipameri, Catalão, Crixás, Formosa, Jaraguá e Santa Terezinha de Goiás.
Defesa
A defesa será feita pelo advogado Aton Fon Filho, especializado em conflitos agrários e direitos de populações tradicionais. Membro da Rede de Advogados Populares, também atua na defesa de militantes e presos políticos. Por ter se engajado na resistência contra a ditadura, Aton passou dez anos preso e foi torturado. Mesmo libertado ainda durante o período militar, só foi legalmente anistiado em outubro de 2013, pela Caravana da Anistia.
“Está havendo uma movimentação no Brasil com os olhos voltados para Goiás. Pela primeira vez está sendo criminalizado, concretamente, um movimento social. O despacho é movido por um princípio ideológico e não se sustenta tecnicamente. É um retrocesso incompatível com os cânones da Constituição Federal”, tem afirmado Marcelo Lavenère, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e atuante na defesa dos militantes presos.
Segundo o Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno, que coordena uma ampla campanha pela libertação dos presos políticos, trata-se de “tentativa absurda de colocar na ilegalidade um movimento democrático, que luta pela reforma agrária no Brasil. Toda essa ofensiva é fruto de um avanço das forças conservadoras no âmbito estadual e nacional”.
Entenda o caso
Nos últimos três anos, houve uma intensificação da luta pela terra e o número de famílias acampadas aumentou de 600 (em 2013) para mais de 2 mil (2016). Nesse período ocorreram ocupações na Agropecuária Santa Mônica, latifúndio com mais de 21 mil hectares de terras declaradamente improdutivas, registradas em nome do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) e localizadas entre os municípios de Alexânia, Abadiânia e Corumbá; e na Usina Santa Helena, latifúndio canavieiro de 22 mil hectares do Grupo Naoum, que deve cerca de R$ 1,1 bilhão aos trabalhadores e à União e foi várias vezes denunciado por crimes ambientais.
O MST luta para que as terras sejam desapropriadas e entregues à Reforma Agrária para assentamento das 6.500 famílias acampadas em Goiás. No dia 12 de abril desse ano, os juízes Thiago Brandão Boghi, Rui Carlos de Faria e Vitor Umbelino, das comarcas de Santa Helena, Mineiros e Rio Verde, respectivamente, decretaram a prisão preventiva dos quatro militantes do MST, sob a acusação de fazerem parte de uma “organização criminosa”.
O agricultor Luiz Batista Borges, integrante do acampamento Padre Josimo, foi preso ao se apresentar na delegacia de Rio Verde, no dia 14 de abril, ao ser chamado para prestar esclarecimentos. No dia 31 de maio, o militante José Valdir Misnerovicz, reconhecido nacional e internacionalmente como ativista pela reforma agrária, foi preso em uma ação articulada entre as polícias de Goiás e do Rio Grande do Sul, onde se encontrava. Os militantes Natalino de Jesus e Diessyka Lorena estão exilados.
Esta é a primeira vez no Brasil que o MST é criminalizado com base na lei 12.850/2013, que diz respeito às organizações criminosas. Esta lei, supostamente criada para atuar contra lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, pode ser considerada a legitimação de um verdadeiro Estado de Exceção. Com base nela, os inquéritos correm de forma sigilosa e podem automaticamente contar com delação premiada, infiltração de agentes, quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico, escuta ambiente e outras arbitrariedades.
Diferente do enquadramento por formação de quadrilha, acusação que historicamente os juízes tentavam imputar ao MST e que nunca foi acatada pelos tribunais superiores, a lei de organização criminosa pressupõe a teoria do Domínio dos Fatos. Ou seja, a rigor, entendendo o MST como organização criminosa, qualquer militante pode ser acusado em qualquer inquérito que seja iniciado.