A diminuição da vazão do Rio Utinga, um dos principais afluentes do Paraguaçu, na Chapada Diamantina, está preocupando os moradores e especialistas. Com a seca em vários trechos, a disputa por água entre pequenos e grandes agricultores está acirrada. Há uma preocupação sobre a possibilidade de desempregos, diminuição na produção de alimentos e, até mesmo, no abastecimento de água de Salvador. A microbacia do Utinga é um dos conjuntos mananciais que mais contribui com a Bacia do Paraguaçu, responsável por 60% do abastecimento de água da capital baiana.
Da nascente à foz, o rio tem apenas 80 quilômetros. Com a redução do nível de água intensificada pela estiagem, o curso do rio já desapareceu em um trecho de 30 quilômetros entre os municípios de Wagner, Andaraí e Lençóis. Milhares de peixes morreram, a produção agrícola vem despencando e os moradores de alguns municípios precisaram ser abastecidos por meio de carros pipa no mês passado. Há quase 30 anos a microbacia de Utinga vem sendo alvo de reivindicações. Elas incluem trocas de acusações, denúncias de captação indevida de água, embates constantes entre ambientalistas, população urbana e entre os próprios agricultores.
As partes envolvidas no processo chegaram a realizar várias manifestações nos últimos anos. Os produtores rurais da parte baixa do rio acusam os agricultores da parte alta de retirar água de forma excessiva, próximo à cabeceira do rio. Já os agricultores outorgados da parte alta, onde a água é mais abundante, garantem que retiram apenas o permitido, ou seja, o que foi autorizado pelos processos de licenças ambientais. Apesar do impasse, todos são unânimes em afirmar que o problema está sendo provocado pela exagerada e descontrolada captação clandestina de água, sem qualquer tipo de monitoramento.
Segundo estimativas das entidades e órgãos consultados, o percentual de clandestinidade na captação de águas superficiais, sugadas diretamente na calha do rio, chega a 98% das propriedades. Com a crise hídrica atingido um nível considerado gravíssimo, todos querem mais controle sobre a retirada da água e cobram do estado a elaboração de Plano de Bacia do Paraguaçu e Afluentes. O plano está previsto em leis federal e estadual, chegou a ser iniciado em 2012, mas não foi concretizado até hoje. “O colapso se instalou na região. O conflito pela água já está estabelecido. Nós temos pedido que o estado cumpra o papel que a lei delega a ele e que faça um plano de bacia”, afirmou o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraguaçu, Evilásio Fraga.
Lavoura
Em todo a região do Utinga são atualmente 3,5 mil hectares de lavouras irrigadas, e mais de dois milhões e quatrocentos mil pés de banana. A atividade agrícola gera mais de 7 mil empregos diretos, conta com cerca de 1.200 agricultores e 22 assentamentos de reforma agrária, além de comunidades quilombolas e indígenas. Os alimentos produzidos na região abastecem vários municípios da Chapada, além de mercados da capital baiana e de outros estados do Nordeste.
De acordo com a Associação dos Assentados, um estudo preliminar do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), realizado em 2015, já apontava um déficit hídrico na bacia do Utinga. Naquela ocasião, a quantidade retirada de água já era bem maior do que a capacidade hídrica do manancial. Ainda segundo a associação, o número de pessoas retirando água mais que dobrou nos últimos quatro anos. “A situação da região se agravou depois que os projetos agrícolas de monocultura começaram a ter sucesso e passaram a atrair mais gente. É necessário um estudo detalhado para saber quanto se pode usar. Sempre sinalizam que vão fazer, mas o projeto nunca sai do papel”, completou Pianissola.
O rio corta os municípios de Wagner, Utinga, Lajedinho, Andaraí e Lençóis. A bacia também conta com outros afluentes importantes como o Rio Bonito. Há 10 anos a bacia chegou a ser indicada como de grande potencial hídrico pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), que na época fez um balanço para revisão do plano de recursos hídricos do estado. O Ministério Público vem acompanhando o conflito pela água através da Promotoria de Justiça Regional Ambiental do Alto Paraguaçu, com sede em Lençóis. Um inquérito civil público está em andamento desde 2017.
Os promotores já sabem que existe uma quantidade de usuários superior ao que a bacia comporta. “Nós constatamos ao longo deste período que a região chegou no limite, e que o estado não tem um controle eficiente sobre o número de usuários, nem sobre a quantidade utilizada. São milhares de captações, mas apenas cerca de trinta têm outorga de água, e isso inclui pequenos, médios e grandes agricultores. É um problema de gestão dos recursos hídricos. Existe um grande vácuo cinzento e o estado não possui cadastro que permita uma ação efetiva. Isso acaba agonizando a crise”, afirmou o promotor Augusto César Matos.
O inquérito do MP deve ser encerrado no ano que vem. “A sociedade civil é a grande prejudicada e o Ministério Público vem tentando reparar isso provocando o estado a aplicar a legislação na sua integralidade. Não se pode abrir mão dos mecanismos de controle dos recursos naturais que são públicos, difusos e coletivos. O rio precisa de um plano de bacia que possa aferir a verdadeira disponibilidade de água”, completou.
Reflexos
A crise na produção agrícola da região, principal atividade de renda da população, vem se refletindo em outros setores da economia. Em algumas cidades, como Utinga, estima-se que o movimento no comércio tenha registrado queda de 40% nos últimos dois meses. Já em Andaraí as vendas caíram entre 10 a 20%. Neste município, as comunidades mais atingidas são Pau de Colher, Nova Aliança e o Assentamento Utinga, todas localizadas às margens do rio.
“É um rio curto, mas de grande importância. Choveu um pouco nas últimas duas semanas, mas não foi suficiente pois a água caiu na foz e não na nascente. O Consórcio (Chapada Forte) tem feito ações emergenciais para garantir o consumo humano como o abastecimento com carro pipa. Sabemos que o problema é mais grave, exige ações mais efetivas para combater o uso desordenado da água do rio. Apenas cerca de 5% das 1.500 captações da região são outorgadas”, afirmou João Lúcio Carneiro, presidente do Consórcio Chapada Forte, entidade que reúne vinte prefeituras da Chapada. As informações são do site Correio 24h