Após as notícias de que foi condenado a uma pena de sete anos e nove meses de prisão, a ser cumprida em regime fechado, por ter se utilizado, indevidamente, em proveito próprio, de bens ou serviços públicos (crime previsto no artigo 1º, inciso II, do decreto-lei nº 201/67), o ex-prefeito de Itaberaba, portal de entrada da Chapada Diamantina, João Almeida Mascarenhas Filho, compareceu nas emissoras de rádio da cidade para se defender da sentença prolatada pelo juiz Matheus Martins Mortinho.
Os políticos não cansam de achar que a população é idiota. Sem a menor vergonha, João atribuiu a culpa a terceiros, se disse injustiçado com a condenação e afirmou que vai recorrer da sentença. “O crime que aconteceu, quero explicar a população, foi uma foto de IPTU 3×4 dentro de um carnê, indevidamente colocada pela gráfica, que imprimiu um carnê errado, e na mesma hora que soube da circulação eu mandei recolher os carnês todos (…). Não houve nenhum custo para a administração”, disse o ex-prefeito.
A sentença, no entanto, explica de forma contundente o crime cometido: “Numerosas fotografias referentes a atos de publicidade do réu durante o seu mandato foram colacionadas aos autos [fls. 34/64], destacando-se a existência de fotografia de carnê de IPTU contendo imagens do denunciado em contexto autopromocional, vinculando-se as suas fotografias a feitos alcançados pela sua gestão na qualidade de alcaide do município. Ganha relevância o conteúdo das fls. 61/64, donde se nota a existência de praticamente um mosaico de fotos do réu em situações relacionadas a publicidade de ações desenvolvidas pelo município de Itaberaba, de modo que tais elementos se afiguram como bastantes para fins de comprovação da existência do quanto narrado pelo órgão acusatório”.
Como se vê, os carnês do IPTU não tinham apenas uma fotinha 3×4 como disse o ex-prefeito sentenciado. Existiam inúmeras fotos ligando o então gestor a ações realizadas pelo município, como se fosse ele, pessoalmente, que teria feito as obras, e não o erário público. Neste ponto, o juiz sentenciante também explicou: “constitui-se como uma premissa básica na Administração Pública que o gestor público porte a sua conduta com base nos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade administrativas, de modo a conduzir a máquina pública em benefício da coletividade, sem que se tente amealhar vantagens materiais ou imateriais (ex: apoio político por meio de publicidade autopromocional). A condução da máquina pública não pode se dar pela mesma lógica do que se observa na órbita privada, devendo haver cumprimento irrestrito das disposições constitucionais e legais vigentes”.
As alegações de que ele não tinha conhecimento, que foi a gráfica a responsável pelo ato e que não houve dano ao erário também foram rejeitadas pelo Juiz: “Não se constitui como algo crível uma postura de eventual indiferença do gestor público sobre a forma como serão lançados os carnês de IPTU, tal como o prazo para emissão, confecção, entre outros aspectos, já que isso revela impacto direto na arrecadação tributária municipal(…)E, ainda que por absurdo houvesse uma postura de indiferença em relação a tal aspecto central da arrecadação tributária municipal, trata-se de aspecto decisivo que o gestor deveria ter conhecimento, posto que eleito para desempenhar as suas funções em mandato eletivo visando se a promoção do bem estar da população de Itaberaba”.
A sentença continua explicando: “Aspecto que também não deixa de ser relevante é o fato de que não se tinha conhecimento, até então, do expediente de lançar-se o nome do denunciado em carnês de IPTU. Assim, o gestor tinha ciência da forma adequada de se emitir os carnês, sem veiculação de publicidade autopromocional, mas mesmo assim optou-se pelo lançamento dos carnês com tal propósito no início do ano de 2011(…)”. E finaliza: “A testemunha José Francisco Almeida Leal, secretário da Fazenda Municipal à época dos fatos, afirmou [fls. 390] que as capas dos carnês foram entregues para a gráfica realizar as impressões, a demonstrar que houve contratação pública de empresa para a confecção dos carnês, a revelar também emprego irregular de verbas públicas com propósito de realização de publicidade autopromocional”.
Portanto, foram descabidas as justificativas apresentadas pelo ex-prefeito João Filho, já que ficou provado que o gestor tinha conhecimento do fato e, não só isso, que modificou a forma que até então era feito o carnê de IPTU da cidade, tudo com recursos públicos e em benefício próprio. Se ele, mesmo após ter sido sentenciado a uma pena tão alta e em regime fechado, ainda não entendeu a impossibilidade de utilizar-se do erário em benefício próprio, mostra que sua pressa em dizer que não estava inelegível é maior do que a responsabilidade em cuidar do dinheiro público. Por fim, o ex-gestor afirmou que vai recorrer da decisão, primeiro com a interposição de embargos de declaração (recurso cabível apenas para sanar eventuais omissões, contradições ou obscuridades, não servindo para atacar o mérito) e depois com a apelação (este, sim, um recurso para o Tribunal de Justiça com pedido de reforma da decisão).
Ex-prefeito já possui outra condenação por danos ao erário
Não há nenhum outro lugar em que o ditado ‘a justiça tarda, mas não falha’ melhor se aplique do que em Itaberaba. Embora o ex-prefeito João Filho tenha ficado na impunidade esse tempo todo, já que seus mandatos foram alvos de várias denúncias no Poder Judiciário, chegando a responder mais de 40 processos, as sentenças condenatórias já se acumulam.
É preciso dizer que, além desta condenação criminal, João Filho também foi condenado por ato de improbidade no ano de 2018, quando o juiz federal Robson Silva Mascarenhas o condenou pela prática de atos que atentaram contra os princípios da administração pública, com dispensa indevida de licitações, aplicando-lhe as seguintes penas: “ressarcimento integral dos danos causados; suspensão dos direitos políticos por sete anos; multa civil correspondente a quatro salários de prefeito à época de seu mandato, devidamente atualizadas até a data do pagamento; proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de quatro anos”.
Na sentença de improbidade, novamente foi necessário mais do que uma fotinha 3×4 para a condenação: “Diante de tantos indícios de irregularidades na contratação, restou comprovado nos autos que o requerido João Almeida Mascarenhas Filho praticou diversos atos de improbidade que importaram prejuízo ao erário [e indiretamente, enriquecimento de terceiros], além de violar princípios da administração pública”.
Jornal da Chapada
Veja aqui a sentença penal condenatória
Confira aqui decisão de juiz federal contra João Filho
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