Após uma denúncia feita via redes sociais, de constante importunação sexual, uma jovem de 22 anos, aqui chamada de J.A., tem mobilizado o município de Piatã, na Chapada Diamantina. A mensagem descreve diversos momentos em que se sentiu ameaçada por um determinado senhor. Na feira da cidade, enquanto esperava sua mãe com as compras, nas ruas e a seguindo de carro, com olhares lascivos, piadinhas, risadinhas e comentários com outros homens, estimulando-os. Ao lado do pai, a jovem foi à delegacia local e registrou um Boletim de Ocorrência.
A violência contra as mulheres foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1993, como uma forma de discriminação e violação de direitos humanos (Resolução 48/104). E, de lá para cá, os índices são cada vez mais alarmantes. Segundo uma moradora que prefere não se identificar, são muitos casos de abuso, assédio e estupro comentados pelos moradores da cidade, mas o medo da retaliação do agressor, da exposição das famílias, de comprometer a imagem da vítima, silencia as mulheres e os familiares.
“Muitas pessoas têm filhas mexidas, mas ninguém denuncia. Aqui em Piatã acontece muito, mas não tem denúncia”, conta. Na Bahia, segundo a ONU Mulheres, houve um aumento de 32%, uma mulher é agredida a cada 56 minutos. Já no Brasil, uma em cada três mulheres relatam já ter sofrido algum tipo de violência ao longo da vida.
E, a partir das denúncias dessa semana, inúmeras mulheres passaram a relatar casos de assédio na cidade, denunciando tanto na página da jovem quanto no Grupo de Mulheres de Piatã, coletivo feminino composto por uma média de 100 mulheres, que estão em contato constante via telefone, mas se reúnem semanalmente para a reflexão e tomada de decisões referentes a assuntos de interesse desse público.
Um desses relatos fala sobre uma viagem até o município de Seabra, em que o mesmo senhor se sentou ao lado da jovem T.R. e insinuou passar a mão nas suas pernas, mas foi inibido pela postura reativa que ela demonstrou. Em relação a essa importunação sexual, assim como a divulgação de cenas de estupro, nudez, sexo e pornografia, a pena para as duas condutas criminosas é prisão de 1 a 5 anos, desde a criação da lei, em 2018, que criminaliza esses atos.
Alguns exemplos de casos de importunação sexual são o beijo roubado ou forçado, passar a mão na vítima, o que se chama de ‘encoxar’, no transporte público, e fazer cantadas invasivas. E nessa linha uma outra jovem, K.S., cita a mesma situação em relação a estar caminhando e o mesmo senhor ficar acompanhando a jovem, de carro, constrangendo e intimidando.
Em meio aos inúmeros depoimentos, a nora desse mesmo homem acusado, D.S.M., entrou em contato com o jornal falando sobre o processo que tramita no fórum, no qual seu cunhado à época, ainda menor, é acusado de abusar da sobrinha de 9 anos diversas vezes. A menina passou por exames de corpo delito, que comprovou os indícios do abuso, e a criança faz acompanhamento psicológico.
Outros casos envolvendo mais homens foram relatados no grupo de acolhimento às Mulheres de Piatã, deixando nítida a importância de quebrar o tabu que envolve o assunto, para que mais denúncias possam ser formalizadas e os violentadores, punidos.
Estrutura para receber as denúncias
Para a delegada Patrícia Oliveira, toda violência é uma questão cultural e multidisciplinar, então todo o contexto em que ela ocorre é importante. Portanto, temos que refletir sobre como fomentamos essa violência em nosso meio. E são inúmeros os fatores.
“A mulher é culturalmente ensinada a aprender a cozinhar, a brincar de boneca, enquanto os meninos são criados sem poder chorar ou expressar seus sentimentos, isso reproduz a questão de não saber lidar com as emoções e a resolver com violência os seus conflitos. Então a educação na primeira infância é importante nessa construção de uma sociedade menos violenta”, inicia.
E continua: “Uma outra realidade é o aumento no número de casos de violência contra a mulher, porém a estrutura de rede de apoio às mulheres, e as Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAMs) não receberam o investimento necessário para dar conta desse crescimento”.
As roupas das mulheres
Muito se atribui às roupas das mulheres e aos seus comportamentos, ao local e horário em que estavam nas ruas. Uma maneira cruel de culpar as vítimas pela violência. É errado achar que uma peça de roupa seja um sinal verde para qualquer tipo de violência sexual, inclusive a verbal. Todos têm o direito de sair de casa da maneira como preferirem, no horário que desejarem e para onde quiserem, sem temer qualquer tipo de abordagem grosseira.
Vanina Miranda, psicóloga da Defensoria Pública do Estado da Bahia, defende que precisamos pensar a violência psicológica contra a mulher como uma questão social e não um caso individual. “Se a sociedade julga, condena e aponta o dedo para a mulher, isso compromete a denúncia e a busca por apoio, então criamos um sofrimento que fica invisível à sociedade”, sinaliza.
E conclui: “Em todos os tipos de assédio, o mais indicado é que a vítima busque por ajuda e se informe sobre as medidas que podem ser tomadas. Em alguns casos, o correto é tratar desses assédios judicialmente, mas, em outras, o melhor a se fazer é buscar apoio emocional e psicológico”. Com informações de assessoria.