O depoimento do diretor do Instituto Butantan Dimas Covas, prestado à CPI da Covid nesta quinta-feira (27), poderá ter efeito ‘demolidor’ para o governo Bolsonaro. Covas confirmou a oferta de 100 milhões de vacinas contra covid-19 da CoronaVac, feitas pelo instituto em 2020, e ignoradas pelo Ministério da Saúde. Se o governo tivesse aceitado a primeira oferta, ocorrida em julho, teria a chance de adquirir 60 milhões de doses já em dezembro de 2020 e ser o primeiro país do mundo a iniciar a vacinação da população. O diretor também reafirmou que Bolsonaro não deu um centavo para auxiliar o instituto na produção de vacinas.
Pelo depoimento de Covas, os senadores constataram a falta de vontade de Bolsonaro em vacinar a população. O ocupante do Planalto atrasou a assinatura do contrato com o instituto por três meses e, com isso, impediu a vacinação de pelo menos 50 milhões de brasileiros ainda no primeiro semestre de 2021, levando-se em conta apenas a CoronaVac. Ele apresentou os ofícios encaminhados ao governo federal, a partir de julho, com ofertas de vacinas.
“O depoimento do doutor Dimas é demolidor, é a prova mais cabal – mais até do que o depoimento da Pfizer – da omissão, da indiferença, do desinteresse daqueles que fazem esse governo”, afirmou o senador Humberto Costa (PT-PE). “Mais cedo ou mais tarde Bolsonaro vai ter que responder por quais motivos ele não quis comprar vacina para os brasileiros. Jamais terá coragem de dar essa resposta”, considerou o senador.
Covas desmentiu o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que afirmou à CPI que Bolsonaro não deu ordem para o Ministério da Saúde desfazer contratos com o Butantan. A pasta havia formalizado uma intenção de compra no dia 19 de outubro. “Houve uma mudança. Após 20 de outubro, as tratativas não foram para frente com o Ministério da Saúde”, revelou Dimas.
No dia 21 de outubro, Bolsonaro subiu o tom na ofensiva de tentar criminalizar a vacina, desautorizando Pazuello e confirmando que não compraria a “vachina” do instituto, como se referiu, de maneira jocosa, ao imunizante. No dia seguinte, o famoso vídeo no qual Pazuello diz que “é simples assim, um manda, o outro obedece” passou a circular nas redes sociais.
“Um real”
Covas também confirmou o boicote de Bolsonaro ao repasse verbas ao instituto para a compra e produção de vacinas. Respondendo a uma pergunta do presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), Covas refirmou que o governo federal não colocou “um real” no Butantan. O instituto pleiteou R$ 145 milhões do governo federal. Destes, R$ 85 milhões seriam para o orçamento de testes clínicos com a vacina e R$ 60 milhões para a reforma da fábrica do Butantan, a fim de prepará-la para o desenvolvimento de vacinas.
Ao mesmo tempo, o diretor reiterou que houve uma politização do tema, encampada por Bolsonaro. A disputa com o governo paulista e contra a China levou o governo a investir R$ 1,9 bilhão na AstraZeneca, uma vacina à época sem autorização da Anvisa, lembrou Covas. “A AstraZeneca foi contratada em agosto, no mesmo patamar (de informações que tinha sobre a Coronavac). Tratamentos ocorreram de forma diferente, pedimos contratação nos mesmos moldes, houve duas formas de entender as vacinas”, confirmou Covas.
Ataques à China
Covas relatou ainda as dificuldades na relação com a China, em função das ofensas do ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, do próprio Bolsonaro e de seu filho, Eduardo, ao gigante asiático. O senador Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou uma compilação de vídeos e áudios nos quais Bolsonaro promove vários ataques à China e ao instituto, provando que o líder de extrema direita transformou a imunização da população em uma disputa ideológica.
Os incidentes diplomáticos causaram atrasos na entrega de insumos fundamentais para a produção de vacinas. Covas disse que o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, reclamou dos ataques, descrevendo uma sensação de “inconformismo” do governo chinês. “O embaixador da China deixou muito claro que posições que são antagônicas, que desmerecem a China, causam inconformismo do lado chinês”, descreveu Covas.
Imunidade de rebanho
Na sessão, Carvalho também voltou a atacar a tese da imunidade de rebanho defendida por Bolsonaro e seus apoiadores, estratégia que já deixou um rastro de 454,6 mil mortos. “E não são 1,2 milhão, 1,5 milhão mortos, porque governadores, STF, Congresso Nacional, imprensa, comunidade internacional, sociedade reagiram a essa tese”, comentou o senador.
De acordo com o parlamentar, o alto patamar de mortos no Brasil é resultado de uma “insistência obscurantista de negação”. Os maiores atingidos, frisou o senador, são justamente os apoiadores de Bolsonaro. Ele citou pesquisa que demonstra que o índice de mortalidade por coronavírus é maior nas regiões onde o líder de extrema direita foi mais votado nas eleições de 2018. “Isso não é por nada, é porque as pessoas acreditam no presidente, que passa o tempo todo desinformando a população”, concluiu Rogério Cavalho.