A batalha de mais de dez anos entre parte da Ilha de Boipeba e o megaempreendimento Fazenda Ponta dos Castelhanos ganhou mais um capítulo na última semana: o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) concedeu a licença para a construção do empreendimento que irá ocupar 20% do território da ilha. A comunidade da região mais atingida, Cova da Onça, parece estar dividida entre aqueles que querem o projeto turístico-imobiliário como vizinhos e os que não querem.
O projeto prevê a construção de residências de alto padrão, pousadas, aeródromo, píer para mais de 150 barcos, campo de golfe, parque de lazer, sistema para abastecimento de água, rede própria para energia elétrica e estrutura para processamento e destinação de lixo. Tudo isso em uma das porções mais preservadas de Mata Atlântica, uma terra pública protegida pela União. O projeto afirma que a construção será ao redor da comunidade, mas o pescador e presidente da associação de moradores da região, Raimundo Esmeraldino Silva – o Raimundo Siri -, explica que o empreendimento será construído em cima da comunidade de São Sebastião, conhecida como Cova da Onça.
Golfe
“Os impactos ambientais e sociais são estrondosos. O campo de golfe será bem em cima da comunidade e irá gastar cerca de 100 mil litros de água por dia só na irrigação. De onde virá essa água? Para o aeródromo, eles vão retirar uma parcela enorme da vegetação de restinga, que levará, se conseguir, mais 100 anos para se recuperar”, argumenta o pescador .
E prossegue: “Sem falar do impacto nas espécies de animais, insetos e outras vegetações. Nós pescamos e plantamos para sobreviver nessas terras e junto a isso, buscamos as manter preservadas, pois ao contrário dessas empresas, queremos proteger o que temos hoje para a próxima geração”,
O loteamento luxuoso é da empresa Mangaba Cultivo de Coco, que tem como sócios José Roberto Marinho (herdeiro do Grupo Globo) e Armínio Fraga (presidente do Banco Central durante o governo FHC). O projeto Fazenda Ponta dos Castelhanos irá ocupar uma área semelhante a 1.700 campos de futebol. Ou 20% de toda a Ilha de Boipeba, por isso a decisão do Inema de conceder a licença de construção na última quarta-feira, 8, causou uma grande comoção e, por meio de nota, o instituto se explicou.
“O projeto foi licenciado com a mais perfeita lisura e transparência dos atos adotados pelo Instituto, de acordo com a lei, seguindo o código florestal, atendendo a Lei da Mata Atlântica, os marcos legais e as resoluções federais e estaduais. Tendo em 2016, após ser invocado, passado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (CEPRAM) sem ressalvas ou considerações deste colegiado, que possui participação da sociedade civil, inclusive organizações não governamentais com atuação ambiental”, afirmava a nota.
A nota ainda salientou que o processo foi analisado com todos os cuidados necessários, inclusive obedecendo às exigências de realização das audiências públicas e reuniões com as comunidades locais, que determinaram uma série de compensações, entre elas: garantia de livre acesso ao fluxo das pessoas, manutenção dos caminhos e rotas utilizados pelas comunidades tradicionais, um novo atracadouro na comunidade de Cova da Onça, utilização de mão de obra local na implantação e manutenção, além de respeito absoluto às áreas de preservação.
Morador da região, o vereador Igor Gomes (PMDB) é a favor do megaempreendimento e explica que o projeto ainda será validado pela prefeitura e apresentado à comunidade oficialmente. “Acompanhei todo o processo desde o início e foram inúmeras as discussões e reuniões, assim como foram muitos os questionamentos da comunidade, que foram prontamente atendidos, como por exemplo a garantia de acesso aos caminhos tradicionais, que entraram como condicionantes para que o projeto fosse aceito. Sou a favor do projeto e acredito que grande parte da comunidade que mora próximo ao empreendimento também é”, afirma.
O morador e dono de um restaurante na região de Cova da Onça, Valdo Magalhães, também acredita que a grande maioria da população é a favor do projeto. “Há coisas a serem resolvidas sobre o empreendimento, mas posso apostar que uns 90% do que será feito, dará certo. Sou a favor do projeto desde o começo, e sei que muitos aqui também são, por isso que queremos que o Ministério Público venha consultar a comunidade em si, não dois ou três membros, para assim ter a real dimensão dos moradores que são a favor”, enfatiza o empresário.
O Ministério Público Federal (MPF) recomendou a suspensão de licenciamento do empreendimento em 2019, mas até o fechamento desta edição, o jornal A Tarde não obteve retorno do órgão acerca de sua atual posição.
Abaixo-assinado
Enquanto isso, o movimento Salve Boipeba (@salveboipeba) tem ganhado força online e abriu um abaixo-assinado na plataforma Avaaz que já conta com mais de 20 mil assinaturas contra o empreendimento. O movimento afirma que os danos causados seriam irreparáveis para o ecossistema do local, indo na contramão do turismo ecológico e sustentável.
“Além dos desastrosos impactos ambientais, a comunidade da Ilha de Boipeba irá sofrer por não conseguir desenvolver o seu sistema de subsistência tradicional. A pesca artesanal ficará fragilizada e inviabilizada, assim como a pequena agricultura e o extrativismo sustentável, atividades indispensáveis para a manutenção da identidade coletiva e do modo de vida dos moradores locais”, explicam na Avaaz. Redação do jornal A Tarde.