O ministro Marco Aurélio Mello, aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), disse ao Estadão na quinta-feira (18), que a cassação do mandato do deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), ex-chefe da Lava Jato em Curitiba, é mais um capítulo do desmonte da operação e estabelece um precedente preocupante na Justiça Eleitoral.
“Enterraram a Lava Jato, agora querem fazer a mesma coisa com os protagonistas. Isso, a meu ver, não é justiça, é justiçamento”, avalia o ministro, conhecido pela franqueza. “Eles esquecem algo que Machado de Assis ressaltou: o chicote muda de mão.” Questionado pela reportagem sobre o risco para o futuro político do senador Sérgio Moro (União-PR), ex-juiz da Lava Jato, que também responde a processos eleitorais, Marcelo Aurélio não descarta uma cassação.
“A essa altura nós estamos, passo a passo, ficando perplexos. Eu não estaria dormindo bem no lugar do Moro”, afirma. Ao longo de mais de 30 anos como ministro, Marco Aurélio foi presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em três períodos diferentes. Ele afirma o julgamento de Dallagnol deixa a Justiça Eleitoral ‘muito mal’. “Aonde vamos parar? Algo realmente impensável. O que me assusta é a hegemonia: foi unânime. E um julgamento combinado, pelo visto, porque foi muito célere”, destaca.
“Como é que não houve divergência? Se lá eu estivesse, seria o chato”, acrescenta o ministro, que ficou marcado como uma voz divergente no STF, por discordar os colegas mesmo em julgamentos em que a maioria já estava consolidada. O também ministro aposentado Nelson Jobim chegou a lhe dar o apelido de ‘ferrinho do dentista’.
Ao Estadão, Mauro Aurélio classificou ainda a decisão como um ‘vale tudo’ e manifestou preocupação com o que vê como um desmonte nos esforços de combate à corrupção no País.
“Basta você parar pra ver quem está aplaudindo essa decisão. Aí você vê que a coisa é triste. Se confirma o que o então senador Jucá disse lá atrás, quando começou Mensalão, a Lava Jato, que era preciso estancar a sangria. Qual a sangria? Do combate à corrupção? Eu quero que ela aja, que ela ocorra. Nós precisamos realmente afastar do cenário o sentimento de impunidade”, defende.
O TSE usou como base para a condenação o trecho da Lei da Ficha Limpa que proíbe magistrados e membros do Ministério Público de pedirem exoneração para disputar eleições se tiverem processos administrativos pendentes. Os ministros do Tribunal Superior Eleitoral entenderam que Dallagnol se desligou do Ministério Público Federal com quase um ano de antecedência da eleição, antevendo que os procedimentos disciplinares a que respondia poderiam colocar em risco sua futura candidatura.
Para Marco Aurélio, a legislação não é ideal. “Eu tenho sérias dúvidas, até quanto essa cláusula da Lei da Ficha Limpa, de que a existência de processo leva à inelegibilidade, porque a elegibilidade é um direito inerente à cidadania, é um direito do cidadão.”
As críticas do ministro foram dirigidas também ao Supremo Tribunal Federal, onde ocupou uma cadeira até 2021. Marco Aurélio afirma que a Corte vem tentando estabelecer uma ‘competência universal’ para julgar os denunciados na esteira dos atos golpistas de 8 de janeiro. “Agora o Supremo julga o homem comum. É interessante. É o que eu digo: aonde vamos parar?”, questiona.
O ministro também vê com ressalvas o movimento do tribunal para pressionar a regulação das plataformas e redes sociais. O STF pautou ações que podem rever as hipóteses previstas no Marco Civil da Internet para responsabilizar as big techs por conteúdos que deixam circular – o que foi lido como um recado para o Congresso Nacional agir. O ministro Alexandre de Moraes ainda ameaçou suspender as operações do Telegram no Brasil e mandou investigar executivos do aplicativo e de Google em meio a campanhas contra o PL das Fake news.
“Você cercear plataforma é muito difícil e muito ruim”, afirma. ”É mola mestra de uma democracia a liberdade de expressão. Daqui a pouco vão dizer que tudo que houve de falcatruas na Petrobras foi fake news.” As informações são Tribuna do Norte.