Enquanto moradores do Nordeste do Brasil demonstram a maior intenção em mudar hábitos pelo bem do oceano, em comparação com a média nacional, é na mesma região que concentra-se o maior desconhecimento sobre o impacto do oceano na vida das pessoas. A pesquisa nacional ‘Oceano sem Mistérios: A relação dos brasileiros com o mar’ apontou que 82,2% dos brasileiros mostram-se dispostos a mudar hábitos pelo oceano. Em uma escala de 0 a 10, essa intenção atinge média nacional de 8,3.
Na região Nordeste, a avaliação ficou em 8,7. Notas entre 9 e 10, que indicam grande disposição para mudar comportamentos, concentram 57,4% das respostas em todo o Brasil – no Nordeste, esse indicador atinge 64,2% (seguido por 63,9% Sul, 55% Sudeste, 52,8% Norte e 42,4% Centro-Oeste. Apesar de o oceano impactar de alguma forma todas as pessoas do planeta, 33% dos respondentes da região (o maior porcentual do País) acreditam que o ecossistema marinho não impacta em nada suas vidas.
O indicador nacional fica em 26%. Nesse contexto, enquanto 71% dos brasileiros compreendem que o oceano impacta direta ou indiretamente o dia a dia da sociedade, o Nordeste concentra a menor taxa de compreensão regional: 63% (seguido por 70% Sudeste, 71% Norte, 76% Centro-Oeste e 88% Sul). A pesquisa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, em parceria com UNESCO e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), foi realizada no primeiro semestre de 2022 e ouviu 2 mil pessoas, homens e mulheres entre 18 e 64 anos, de todas as classes sociais, em municípios das cinco regiões do País.
Quando questionados sobre como poderiam contribuir a favor da sustentabilidade dos mares, respondentes do Nordeste dizem preferir atuar mais a partir da comunicação, deixando a ação efetiva em segundo plano. No quadro nacional, para 57% dos entrevistados, a melhor forma de atuar em favor da conservação do oceano é pela comunicação, engajando-se como apoiador e/ou agente de divulgação (60% Nordeste, a maior entre as outras regiões do país, seguido por 59% Sul, 58% Centro-Oeste, 57% Norte e 53% no Sudeste). Outros 25% mostraram-se dispostos a colocar a mão na massa pela mudança (24% Nordeste) e 17% (12% no Nordeste) dizem não estar abertos a qualquer mudança.
“A pesquisa nos permite compreender a relação das pessoas com ambientes costeiros e marinhos em todo o País e como a sociedade entende a influência do oceano no seu dia a dia. Também nos mostra como o brasileiro percebe os impactos de suas ações e seus hábitos. Além disso, buscamos identificar como as pessoas estão dispostas a adotar novos comportamentos em favor dos ambientes marinhos”, explica Malu Nunes, diretora-executiva da Fundação Grupo Boticário. “Entendemos que há uma grande lacuna de conhecimento sobre o oceano e seus ambientes, mas precisamos que todos entendam que a nossa conexão com o oceano já existe, independentemente de estarmos ou não próximos do mar”, completa Malu.
Hábitos e comportamentos
O estudo trouxe ainda informações sobre hábitos e comportamentos da população que geram impacto no meio ambiente, como a escolha e consumo de produtos mais sustentáveis; a disposição para reduzir o uso de plásticos, embalagens, canudos e copos plásticos descartáveis; e a busca por informações sobre a procedência dos alimentos que vêm do mar.
Embora 45% dos respondentes do Nordeste acreditem que suas ações cotidianas não impactam em nada o oceano, Na região Nordeste, a priorização de produtos com menor impacto ambiental, por exemplo, é sempre ou quase sempre adotada por 51% das pessoas, enquanto 64% evitam compras que não necessitam, 40% procuram conhecer a procedência dos alimentos que consomem, 47% evitam utilizar plásticos de uso único e 25% usam ou priorizam a energia renovável e menos poluente.
Turismo sustentável
A ligação do mar com o turismo é praticamente imediata. Viagens para o litoral chegam a motivar cinco em cada 10 brasileiros, segundo a PNAD Contínua Turismo 2020-2021 (IBGE), divulgada em julho do ano passado. “O turismo em áreas naturais tem grande força no Brasil, atraindo brasileiros e estrangeiros. Nosso país é reconhecido pelas belas paisagens e praias.
Entender como esse turismo ocorre é de extrema importância para inibirmos a prática predatória, que coloca em risco ecossistemas e a biodiversidade. Esse resultado destaca o desafio de desenvolver uma cultura oceânica que engaje e demonstre como isso pode ser feito, reforçando como este ambiente influencia e é influenciado pelas ações da sociedade”, afirma Fábio Eon, coordenador de Ciências da UNESCO Brasil.
O estudo Oceano sem Mistérios identificou também que 65% dos nordestinos dizem ser adeptos do turismo responsável, abaixo dos 68% da média nacional. A pesquisa mostra ainda que 97% dos moradores do Nordeste já visitaram praias (3% nunca estiveram perto do mar), no entanto, uma parcela da população da região diz nunca ter estado em outros ecossistemas marinhos, como falésias (71% nunca visitaram), restingas (73%), estuários (59%), costões rochosos (52%), dunas (49%) e manguezais (39%). Apesar de 64% dos nordestinos nunca terem visitado recifes de corais, a região concentra o maior porcentual do país de pessoas que já conhecem o ecossistema.
Ao escolher o litoral para descansar, divertir-se e recarregar os nordestinos seguem o padrão da maioria dos brasileiros. Aproveitam para mergulhar e curtir as ondas (61%), caminhar (32%), aproveitar a gastronomia local (23%) tomar banho de sol (22%), admirar a paisagem (19%), praticar esportes (16%) e relaxar (11%).
Economia azul
A pesquisa nacional revelou também que a população do Nordeste é a que mais assimila a importância do oceano para a economia nacional. Em uma escala de zero a 10 sobre o quando as pessoas acreditam na contribuição do oceano para a atividade econômica, a região atinge média 8,9 (contra 8,6 nacional) e notas 9 e 10 concentram 68,1% das respostas (contra 62,6% no Brasil). Além disso, o Nordeste é a região que mais relaciona o turismo com o oceano, indicando a importância da atividade para a população regional.
Em escala de zero a 10, os respondentes do Nordeste indicam que o turismo tem relação nota 9 com o oceano. Segundo o Boletim Regional do Banco Central, publicado em 2021, a participação das atividades turísticas no emprego formal nos nove estados nordestinos representa 2,4%, seguido das regiões Norte e Centro-Oeste, cada uma com 1,9%, Sudeste (1,7%) e Sul (1,6%).
Todos dependemos do oceano
O oceano abriga a maior biodiversidade do planeta e é fundamental para a regulação do clima, pois absorve mais de 30% das emissões de dióxido de carbono (CO2) e 90% do excesso de calor gerado pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa. “O oceano contribui diretamente com cerca de US$1,5 trilhão para a economia mundial, sendo que apenas o setor de alimentos gera em torno de 237 milhões de empregos no mundo”, frisa Ronaldo Christofoletti, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), copresidente do Grupo Assessor de Comunicação para a Década do Oceano da Unesco.
O especialista enfatiza a importância de informar e conscientizar a sociedade sobre a influência do oceano na vida de todos. “Os mares geram alimentos, energia, minerais, fármacos e milhões de empregos ao redor do mundo em diferentes atividades econômicas. São imprescindíveis para o transporte e o comércio internacional, além de importantes para o nosso lazer e bem-estar. Cuidar do oceano é cuidar da nossa saúde”, salienta Christofoletti.
Nesse caminho, a ONU declarou o período de 2021 a 2030 como a Década do Oceano, que tem como um dos principais objetivos, justamente, incentivar a geração de conhecimento para a sociedade. A pesquisa aponta, porém, que apenas 0,3% dos brasileiros estão informados sobre a Década, enquanto 6% apenas ouviram falar sobre o assunto e 93% ainda não conhecem nada sobre o tema, o que demonstra a importância da comunicação para mudar essa realidade.
“O estado de conservação do oceano é bastante preocupante. Uma avaliação global da ONU mostrou que precisamos de ações urgentes para reverter o quadro de degradação e ameaça à biodiversidade e aos ecossistemas”, alerta Fábio Eon, coordenador de Ciências da UNESCO Brasil. As informações são de assessoria.