Uma pesquisa que abrange todas as produções cinematográficas dirigidas por cineastas negros no Brasil ao longo das últimas oito décadas revelou um notável aumento recente: 83% das obras desde 1940, entre curtas, médias e longas-metragens, foram realizadas a partir da década de 2010. Apesar desse crescimento promissor, é importante destacar que ainda há é um fator de preocupação.
Por meio do mapeamento de diversas produções cinematográficas entre 1940 até 2022, realizado pelo Instituto Nicho 54 em parceria com o projeto Cinemateca. Ao todo, foram verificados 1.086 filmes, como curtas, longas e médias metragens, todos dirigidos por uma ou mais pessoas negras.
O projeto consiste, justamente, em trazer ao público qual é o panorama dos últimos 80 anos, olhando em termos racializados. Para Heitor Augusto, um dos fundadores do Nicho 54 e coordenador da pesquisa, essa é apenas a primeira etapa da pesquisa, que analisou apenas posições de direção, sem se ater a outros cargos possíveis, como produção, técnicos e roteiristas, sem qualificar as produções.
“É importante destacar que, quando eu falo de ações afirmativas, não estou falando só no campo das universidades, mas também na política de financiamento para realização audiovisual”, disse Augusto. Ele destaca que a predominância de 83% das obras produzidas a partir de 2010 pode ser interpretada como uma manifestação do aumento de ações afirmativas.
“A Cinemateca Negra cobre uma lacuna tão grande que acaba tendo múltiplas importâncias”, lembra o pesquisador. Na sua visão, uma das razões é o chamado senso de comunidade, que auxilia as pessoas negras a se identificarem dentro do mercado, bem como a criação do que Heitor chama de “fato político”, evidenciando para o mercado audiovisual que há um contingente significativo de profissionais negros envolvidos na produção cinematográfica.
Preconceito e desigualdade afetam as produções
A trajetória comum para cineastas na indústria cinematográfica envolve a produção de curtas-metragens como um passo inicial, seguido pelo percurso natural em direção à direção de longas. No entanto, os diretores não conseguem avançar para produções maiores. “Como é que você vai ter tempo para fazer filmes e desenvolver seus três roteiros de longa quando você está tendo de garantir a sobrevivência? Nesse entroncamento, entra o racismo estrutural. Para ter tempo você precisa ter recurso, se você não tem recurso, como é que você vai conseguir disputar esses espaços?”, enfatiza Heitor.
Ainda segundo ele, a validação da pesquisa pela Cinemateca Brasileira “diz que existe o potencial de finalmente fazer essa conexão que a gente nunca faz direito: o cinema negro é também brasileiro”. Heitor também ressalta que há um recorte dos gêneros trabalhados por pessoas pretas. “As categorias com as quais a gente trabalhou foram animação, documentário, experimental, ficção e híbrido. A gente percebe ao longo da história uma flutuação. Até a década de 1970, tem prevalência da ficção”.
“Dos anos 1990 para frente, documentário. Isso passa por uma modulação do debate racial no Brasil, a destruição do mito da democracia racial e o estabelecimento do orgulho racial eram pautas muito fortes e costumam ser apresentadas no campo do documentário. Assim como nos nossos tempos recentes o orgulho e identitarismo também pautam muitas realizações. Outra razão é econômica: é mais fácil fazer um documentário”, pontua. Com informações do Terra.