As letras das músicas populares passaram por uma transformação significativa nas últimas cinco décadas, tornando-se mais simples e com maior carga emocional negativa. É o que revela um estudo publicado nesta quinta-feira (11) na revista científica Nature, uma das mais respeitadas do mundo acadêmico.
De acordo com a pesquisa, desde a década de 1970 houve um crescimento expressivo no uso de palavras associadas a estresse, dor e sofrimento em canções populares, como “ruim”, “errado”, “chorar”, “machucar” e “odiar”. O fenômeno acompanha mudanças emocionais mais amplas observadas na sociedade, marcadas pelo aumento de ansiedade, estresse e outros transtornos psicológicos.
O levantamento foi conduzido por pesquisadores da Universidade de Viena e analisou as letras das 100 músicas mais populares em inglês nos Estados Unidos, semana a semana, entre 1973 e 2023. Ao todo, mais de 20 mil canções fizeram parte da amostra, abrangendo artistas de diferentes gerações, como Carly Simon, Eric Clapton, Amy Winehouse, Drake e Lizzo.
Segundo o pesquisador Mauricio Martins, um dos autores do estudo, a música popular funciona como um espelho das emoções coletivas. “A longo prazo, a música reflete mudanças mais amplas no clima emocional da sociedade. O aumento da linguagem negativa acompanha o crescimento bem documentado do estresse, da ansiedade e das chamadas ‘doenças do desespero’”, afirmou.
O estudo também aponta uma simplificação progressiva da linguagem utilizada nas letras, o que pode estar relacionado a mudanças culturais e cognitivas, como a redução da capacidade de atenção, o consumo de música por meio do streaming e tendências mais amplas observadas na comunicação digital e na literatura contemporânea.
Exemplos citados pelos pesquisadores incluem músicas com forte carga emocional negativa, como Back to Black, de Amy Winehouse, Cry Me a River, de Justin Timberlake, e Hurt, interpretada por Elvis Presley. No extremo oposto, canções como YMCA, do Village People, e Do I Do, de Stevie Wonder, representam letras mais positivas e festivas.
Apesar da tendência geral, o estudo identifica uma inflexão a partir de 2016, quando músicas com letras mais complexas voltaram a ganhar popularidade. Eventos globais de grande impacto emocional, como os ataques de 11 de Setembro e a pandemia de Covid-19, também foram associados a períodos em que o público buscou letras menos estressantes e mais positivas.
Para os autores, em momentos de crise extrema, a música pode funcionar como ferramenta de regulação emocional, ajudando as pessoas a lidar com sentimentos difíceis. “Essas descobertas reforçam a importância da música na formação e na expressão dos estados emocionais da sociedade ao longo do tempo”, conclui Martins.
Jornal da Chapada

