Imagens obtidas da órbita de Marte com uma sonda da Nasa revelam o que podem ser os mais concretos sinais de que, em certas circunstâncias, água ainda flui pela superfície do planeta vermelho. Para quem chegou à Terra ontem, não custa lembrar que a saga da água em Marte é uma das mais duradouras — e polêmicas — da história da astronomia, com especulações que começaram 150 anos atrás. Até agora os cientistas ainda não conseguiram se decidir se há ou não água líquida naquele mundo em seu presente estado.
Quatro décadas de exploração robótica revelaram que, no passado, Marte foi bem molhado e parecido com a Terra atual, com rios, lagos e mares, sob uma atmosfera mais densa e um ambiente mais quente. Esse ambiente deve ter perdurado em Marte por pelo menos meio bilhão de anos, o que faz os astrobiólogos se ouriçarem todos: é bem possível que o planeta vermelho tenha tido vida no passado.
Contudo, de lá para cá, o planeta se resfriou, os mares secaram e a atmosfera se rarefez, deixando para trás um mundo desértico. A pergunta que os cientistas querem responder agora é: ainda há pequenos e esporádicos oásis para a vida em Marte? Se as evidências reveladas pela sonda Mars Reconnaissance Orbiter forem mesmo indicativas de água, a resposta é sim. Mas isso de modo algum está definido.
NOVOS RESULTADOS
Os estudos, conduzidos por Lujendra Ojha, do Instituto de Tecnologia da Georgia, em Atlanta, se concentram em marcações escuras sazonais que aparecem no solo marciano, chamadas de linhas recorrentes de declive (RSL, na sigla inglesa). “Ainda não temos a prova da existência de água nas RSL, embora não saibamos como esse processo aconteceria sem água”, diz Ojha.
Marcações parecidas já haviam sido identificadas com a Mars Global Surveyor, uma orbitadora mais antiga (hoje desativada), que produzia imagens com menos resolução. De início, foram interpretadas como sinais de água, provocando naturalmente um “splash!” na mídia. Mas mais tarde outros pesquisadores concluíram que os deslizamentos que criavam as marcas poderiam ocorrer “a seco”.
Ojha volta à carga, desta vez com as imagens mais poderosas da Mars Reconnaissance Orbiter. E as evidências que ele traz ressuscitam a hipótese da água corrente. Primeiro, ele analisou mais de 200 sítios similares em busca de RSL, e só encontrou 13 deles. Provavelmente, se o fenômeno fosse só uma combinação de solo e vento, ele ocorreria em mais lugares. A relativa raridade provavelmente está associada à disponibilidade de gelo e sais no subsolo marciano, que pode variar de local para local. Essa conclusão deve sair no mês que vem, num artigo publicado no periódico “Icarus”.
A segunda evidência que liga as RSL à água, contudo, foi apresentada em outro trabalho, publicado na “Geophysical Research Letters”, que mostra a presença de sais de ferro nos locais das linhas. E eles aparecem em maior quantidade onde é mais quente, e em menor onde é mais frio. Pode parecer irrelevante, mas os sais seriam um ingrediente importante para reduzir o ponto de congelamento da água. Marte é muito frio, então qualquer mudança na composição que reduza a temperatura de congelamento ajuda.
Contudo, evidência de água propriamente dita — a boa e velha H2O — ainda não apareceu, de forma que essa história ainda não terminou. Talvez só mesmo com observações in loco. Mais uma vez, somos confrontados com o fato de que nenhum dos nossos jipes em solo está perto o suficiente para chegar o fenômeno de perto (sem falar que avançar por um barranco pode não ser uma boa ideia, com um carrinho que custou o equivalente a mais de mil Ferraris). Se pá, só quando mandarmos gente para lá teremos mobilidade suficiente para investigar a questão de perto. Por ora, temos de nos contentar com o que dá para ver do espaço. Extraído do Mensageiro Sideral.