Vigilância, cercas elétricas e muros bem altos dão as dimensões do universo de um detento em uma penitenciária. Todo cuidado é tomado para distanciar os internos da sociedade, como forma de garantir a segurança. Na Penitenciária Lemos Brito (PLB), em Salvador, além de todos esses cuidados, a lógica da reclusão anda lado a lado com o objetivo da reinserção social. Cadeados e grades têm sido abertos diariamente para que a educação possa entrar e proporcionar transformações para as 1345 pessoas (60% delas com idade abaixo de 30 anos) que perderam a liberdade por um erro no passado.
De segunda a sexta-feira, sempre nos três turnos, professores da rede estadual de ensino ministram aulas para os presos no local e, indiretamente, oferecem oportunidade para quem deseja levar uma nova vida. A cada 12 horas de estudo, o detento reduz um dia da pena.
“O interno vai cumprir pena e um dia vai voltar à sociedade e precisa estar regenerado. A unidade prisional tem como objetivo trabalhar esse preso para que ele se recupere e se capacite para ficar apto a conviver com outras pessoas em liberdade. A educação é uma forma de dar ferramentas para a pessoa ter uma vida normal quando deixar a prisão”, explicou o diretor da Penitenciária Lemos Brito, Everaldo Jesus de Carvalho.
Os encontros contemplam a educação básica e profissional por meio de programas como o Todos Pela Alfabetização (TOPA), Ensino de Jovens e Adultos (EJA), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e o QualificaBahia. As aulas, que também acontecem nas outras 22 unidades prisionais espalhadas pelo território baiano, contribuíram para a preparação dos 634 presos que fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no final do ano passado. Do total, 62 internos foram aprovados, sendo quatro da PLB, que teve 36 inscritos no Enem.
Walter Moreira, 38, foi um dos aprovados no exame. Ele já cumpriu um quarto da pena de 16 anos, e segue obtendo resultados surpreendentes na penitenciária. Atualmente, o interno trabalha como estoquista na padaria administrada por presos no complexo, e aguarda a mudança de regime fechado para semi-aberto para ingressar na faculdade.
“A educação é transformadora. Quando cheguei aqui não tinha concluído o ensino médio e levei um tempo para perceber que mesmo preso teria uma chance de recomeçar. Abracei essa oportunidade e com o apoio dos professores consegui alguns resultados, como a aprovação no Enem e a promoção na padaria, de auxiliar de serviços gerais para estoquista”, enfatizou Walter.
A experiência de transmitir conteúdo para os detentos fez com que professores, como Hermano Hoisel, passassem a enxergar a vida de uma nova maneira. O educador ensina sociologia na Lemos Brito há pouco mais de um ano, no turno vespertino. “Esse tipo de experiência me fez desfazer alguns preconceitos. Passei a enxergar essas pessoas como estudantes e não como criminosos”, pontuou.
A educação em unidades prisionais amplia horizontes de pessoas, muitas vezes, invisíveis para a sociedade. O detento Romero Eduardo Santos, que falta apenas dois anos para obter a liberdade, já sonha em abrir seu próprio negócio. “Aprendi a fazer pães e gostei muito de trabalhar com isso. Passo parte dos meus dias imaginando o que vou fazer quando sair daqui. Quero abrir uma panificadora e sustentar minha família de uma maneira digna”, revelou.
De acordo com o superintendente de Ressocialização Sustentável da Secretaria de Administração Penitenciária da Bahia (Seap), Luis Antônio Fonseca, a educação é um dos eixos garantidos pela Lei de Execução Penal, que também inclui assistências sociais e suporte para a saúde e religião dos presos. “É nosso papel devolver o indivíduo melhor à sociedade. Já tivemos muitos casos de pessoas que completaram os estudos em cárcere privado e que hoje, já em liberdade, levam uma vida normal. A gente sabe que ainda existe o preconceito com ex-presidiários, mas, através da educação, fica mais fácil a inclusão social”, ressaltou Fonseca.
No estado, a população carcerária totaliza 12,8 mil detentos – 691 deles têm apenas nível fundamental completo, e mais de dez mil são semi-alfabetizados ou possuem ensino fundamental e médio incompletos. Para intensificar as ações sociais em presídios, no próximo ano a Bahia deve adotar o Plano Estadual de Educação no Sistema Prisional. O projeto, que já vem sendo desenvolvido no estado pela Secretaria de Educação, em parceria com a Seap, será aprimorado com as sugestões e ressalvas feitas pela população por meio de uma consulta pública realizada entre os dias 17 e 27 de agosto.
Trabalho como forma de inclusão
A força de trabalho é uma outra alternativa para os detentos que desejam reduzir o tempo de pena nas unidades prisionais da Bahia. A cada três dias trabalhados, o interno tem redução de 24 horas na sentença. Além disso, os internos classificados com bom comportamento contam com a oportunidade de trabalhar de forma remunerada na penitenciária.
Nove empresas conveniadas com a Seap, especializadas em segmentos, como esquadria de alumínio, fabricação de blocos de cimento para a construção civil, confecção de estopas e sacos plásticos funcionam na área externa da Lemos de Brito e empregam 189 presos.
A relação é lucrativa para o empresário, já que o custo de contratação é abaixo do mercado de trabalho. Em contrapartida, o detento ganha uma quantia de R$ 591 pelos serviços prestados – sendo enviado automaticamente R$ 443,25 do valor para a família do interno e R$ 147,75 armazenados em pecúlio, uma espécie de poupança prisional, que poderá ser usada assim que a liberdade do indivíduo for concedida pela Justiça.
Superação
Preso há 14 anos por ter cometido cinco homicídios, Márcio Adriano dos Santos, se diz regenerado. Ao longo do tempo, ele canalizou as energias em capacitação e conseguiu diplomas como pintor e eletricista predial. Ainda cumprindo os anos que faltam para concluir a sentença na Penitenciária Lemos Brito, ele atua como montador de janelas e portas de alumínio e confessa que apesar de não ver a hora de ter sua liberdade devolvida tem medo de como a sociedade irá recebê-lo.
“Eu daria um braço para voltar no tempo e apagar tudo o que aconteceu. Não me orgulho do meu passado, mas quero poder me orgulhar do futuro. Espero que não me vejam apenas como um ex-presidiário e sim como uma pessoa que errou, mas que se arrependeu e recomeçou a vida para ser feliz. Não quero que me tratem de forma preconceituosa”, enfatizou Márcio Adriano.
Além dos trabalhos remunerados, os presos também podem fazer oficinas de artesanato. Com madeira doada periodicamente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), os internos abusam da criatividade e constroem mobiliário e brinquedos – um passatempo lucrativo vendido por seus familiares em feiras de artesanato à céu aberto na capital e no interior do estado.