O começo do fim da Operação Lava Jato. Foi assim que os procuradores do Ministério Público Federal (MPF) responsáveis pela força-tarefa se pronunciaram nesta quarta-feira (30) durante coletiva de imprensa. Eles ainda ameaçaram renunciar coletivamente, caso a proposta de abuso de autoridade seja sancionada pelo presidente Michel Temer (PMDB).
A medida foi inserida no texto das dez medidas contra a corrupção pela Câmara, “aproveitando-se de um momento de luto e consternação nacional, na calada da madrugada” da quarta (30). “Vamos renunciar coletivamente à Lava Jato caso essa proposta seja sancionada pelo presidente”, afirmou Carlos Fernando Lima, procurador da República.
Leia também
Procurador-geral critica mudanças e diz que o país segue “em marcha ré no combate à corrupção”
Após aprovar por quase unanimidade o texto-base do pacote de dez medidas anticorrupção do MPF, o plenário da Câmara dos Deputados passou a madrugada de quarta votando emendas e derrubando vários pontos importantes da proposta. A primeira atitude dos deputados na madrugada foi incluir emenda com a possibilidade de punição de magistrados e integrantes do Ministério Público por crime de abuso de autoridade.
“A Lei da Intimidação avançada no Congresso faz do legítimo exercício da função do Ministério Público e do Judiciário uma atividade de altíssimo risco pessoal. A justificativa para a urgente intimidação dos promotores, procuradores e juízes é falsa e busca manipular a opinião pública”, aponta nota dos procuradores.
Jornal da Chapada
Nota na íntegra dos procuradores da Lava Jato
Os procuradores da força-tarefa Lava Jato vêm a público manifestar repúdio ao ataque feito pela Câmara dos Deputados contra investigações e a independência de promotores, procuradores e juízes. A Câmara sinalizou o começo do fim da Lava Jato. Ontem [terça] à noite, a Câmara dos Deputados se reuniu para apreciar as 10 medidas anticorrupção. Elas objetivavam acabar com a regra da impunidade dos corruptos e poderosos, que é produto de falhas no sistema de Justiça Criminal, e fazer com que a corrupção não mais compense. Aproveitando-se de um momento de luto e consternação nacional, na calada da madrugada, as propostas foram subvertidas.
As medidas contra a corrupção, endossadas por mais de dois milhões de cidadãos, foram pervertidas para contrariar o desejo da iniciativa popular e favorecer a corrupção por meio da intimidação do Ministério Público e do Judiciário. As 10 medidas foram rasgadas. Manteve-se a impunidade dos corruptos e poderosos, expressa no fato de que mais de 90% dos casos de corrupção que acontecem no Brasil não são punidos.
A sociedade brasileira não pode mais considerar normal o que é anormal. Como se não fosse suficiente, foi aprovada a Lei da Intimidação contra o Ministério Público e o Poder Judiciário, sob o maligno disfarce de “crimes de abuso de autoridade”. Abusos devem sim ser punidos. Contudo, sob esse disfarce, há verdadeiros atentados contra a independência do exercício da atividade ministerial e judicial.
A Lei da Intimidação avançada no Congresso faz do legítimo exercício da função do Ministério Público e do Judiciário uma atividade de altíssimo risco pessoal. A justificativa para a urgente intimidação dos promotores, procuradores e juízes é falsa e busca manipular a opinião pública. Essas classes não estão a salvo da lei. Os membros do Ministério Público e do Poder Judiciário se sujeitam a quatro esferas de responsabilidade: civil, criminal, de improbidade administrativa e disciplinar.
Se há impunidade, é porque o sistema não funciona e, então, o que deve ser atacado não é a independência de promotores, procuradores e juízes e, sim, a regra da impunidade dos crimes do colarinho branco, a qual vale para corruptos de todos os órgãos públicos. Nesse sentido, o endurecimento das leis que tinha sido proposto por meio das 10 medidas anticorrupção se aplicaria a todos, isto é, inclusive a promotores, procuradores e juízes.
Persigam os juízes e promotores, soltem os colarinhos brancos. Essa é a mensagem da ação do Congresso de ontem, que enfraquece os órgãos que têm sido reconhecidos por sua atuação firme no combate à corrupção. A aprovação da Lei da Intimidação acontece em um momento em que as investigações da Lava Jato chegam cada vez mais perto de crimes de corrupção praticados por um número significativo de parlamentares influentes.
O mesmo espírito de autopreservação que moveu a proposta de autoanistia moveu e move a intimidação de promotores, procuradores e juízes. O objetivo é “estancar a sangria”. Há evidente conflito de interesses entre o que a sociedade quer e aqueles que se envolveram em atos de corrupção e têm influência dentro do Parlamento querem.
O avanço de propostas como a Lei da Intimidação instaura uma ditadura da corrupção, um estado de tirania em que o poder é exercido fora dos limites com os quais foi conferido pelo povo, isto é, fora da circunscrição do atendimento ao interesse público. Se aprovada, a proposta será o começo do fim da Lava Jato. Se medidas contra a corrupção podem ser convertidas em Lei da Intimidação, que favorece a corrupção e a prática de outros crimes por poderosos, restará ferido o Estado de Direito.
A força-tarefa da Lava Jato reafirma seu compromisso de avançar enquanto for possível, trabalhando ainda mais duro, dentro das regras da Constituição e das Leis, para investigar, processar e punir a corrupção, seja quem for o criminoso. Contudo, os procuradores da força-tarefa estão de acordo que não será possível continuar trabalhando na Lava Jato se a Lei da Intimidação for aprovada.