A Constituição de 1988 pode ser considerada um marco na conquista e garantia de direitos pelos indígenas no Brasil. A afirmação é do professor de direito Gustavo Proença, pesquisador da área de direitos humanos. Para ele, a Carta Magna modificou um paradigma e estabeleceu novos marcos para as relações entre o Estado, a sociedade brasileira e os povos indígenas. Enquanto o Estatuto do Índio (Lei 6.001), promulgado em 1973, previa prioritariamente que as populações deveriam ser “integradas” ao restante da sociedade, a Constituição passou a garantir o respeito e a proteção à cultura das populações originárias.
“O constituinte de 1988 entende que a população indígena deve ser protegida e ter reconhecidos sua cultura, seu modo de vida, de produção, de reprodução da vida social e sua maneira de ver o mundo”, destaca Proença. Na Constituição de 1988, os direitos dos índios estão expressos em capítulo específico (Título VIII, Da Ordem Social, Capítulo VIII, Dos Índios) com preceitos que asseguram o respeito à organização social, aos costumes, às línguas, crenças e tradições. “A população indígena hoje no Brasil tem o direito de buscar maior integração, bem como de se manter intacta em sua cultura, aldeada, se assim entender que é a melhor forma de preservação”, explica Proença.
Ainda no texto constitucional, os direitos dos índios sobre suas terras são definidos como “direitos originários”, isto é, anteriores à criação do próprio Estado e que levam em conta o histórico de dominação da época da colonização. “O direito indígena se insere dentro dessa problemática de como lidar com os resquícios da desigualdade derivada de uma colonização que continua criando um panorama de genocídio, de negação da humanidade, da dignidade, das coisas mais básicas”, avalia a estudante de mestrado em direito pela Universidade de Brasília e especialista em direitos indígenas Daiara Tukano.
De acordo com o texto constitucional, a obrigação de proteger as terras indígenas cabe à União. Nas Disposições Constitucionais Transitórias, fixou-se em cinco anos o prazo para que todas as terras indígenas no Brasil fossem demarcadas. Porém, o prazo não se cumpriu. Para a professora Daiara Tukano, atualmente, a lesão mais grave aos direitos indígenas se refere, justamente, à demarcação de terras. “Os povos que estão fora da Amazônia Legal – os tupinambás, os pataxós – são os mais massacrados por conta dessa dificuldade. Trazer a ideia de que o indígena só tenha direito dentro do seu território é uma grande ofensa. Os direitos são válidos em todo o território nacional.”
Também há garantias aos povos indígenas em outros dispositivos ao longo da Constituição. No Artigo 232, é garantida aos povos indígenas a capacidade processual, ao trazer expresso que “os índios, suas comunidades e organizações, são partes legítimas para ingressar em juízo, em defesa dos seus direitos e interesses”.
Apesar de o texto magno ter estabelecido um novo panorama sobre os direitos dos povos originários do Brasil, a concretização dessa ruptura ainda está em curso, segundo os especialistas entrevistados. “A quebra que existe entre a formulação e a execução desses direitos é de política de governo. Nós temos boas leis. Mas para executá-las, precisamos combater o racismo que é histórico, estrutural, institucional”, considera a especialista em direitos indígenas Daiara Tukano. “Até esses direitos serem respeitados e de o cidadão brasileiro comum vir, de fato, a respeitar e até a se orgulhar dos indígenas são, quem sabe, outros quinhentos anos”, acrescenta.
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