No estúdio que montou no quintal de sua casa no bairro paulistano do Sumaré, Lobão, 61, trabalha em “Com a Graça de Deus”. Está mostrando na internet, aos poucos, o processo de construção da música, um rock com jeitão de trilha para faroeste italiano. Nesse mesmo refúgio, Lobão alimenta há um mês e meio seu novo canal no YouTube. E, como acontece há alguns anos, seus posicionamentos políticos estão causando mais do que seu som. Ele se tornou figura célebre na tentativa de construção de uma nova direita no país. Foi uma das vozes mais fortes no Twitter pelo impeachment de Dilma Rousseff, festejou a queda do PT e, às vésperas da eleição de 2018, apoiou Jair Bolsonaro.
Por tudo isso, o que causa grande repercussão em sua fase youtuber é a desistência desse apoio e a ruptura com Olavo de Carvalho, ideólogo de Bolsonaro que teve intensa relação intelectual com Lobão entre 2013 e 2015. “Estão me chamando de traidor agora?”, diz Lobão. “Isso já aconteceu antes comigo, em relação ao PT. Esse país é uma várzea! Político para mim é um funcionário que você elege e pode te decepcionar. Não tenho vínculo passional. Não tenho time de futebol, vou ter partido político?”, dispara. Lobão enaltece os conhecimentos de Olavo e se diz agradecido por ter conhecido com ele uma literatura até então inédita para o cantor. Os dois discutiam o perfil para uma nova direita.
“Você pode ser conservador, mas pode ser inteligente e elegante”, afirma, citando artistas como Ezra Pound, T.S. Eliot e Jorge Luis Borges. Embora sentisse que Bolsonaro estivesse cercado de uma “extrema direita burra e ainda mais à direita”, decidiu pelo apoio quando Paulo Guedes foi incorporado a esse projeto político. “Quando senti que ia apoiar o Bolsonaro, fiz um vídeo que é um testamento, dizendo que ele estava cercado de uma turminha perigosa. Como a gente nunca teve essa experiência liberal que eu vislumbrava na economia com o Paulo Guedes, decidi pelo apoio, mas com todas as restrições.”
Os ataques seguintes a Lobão foram pesados. “Eu provoco muita fúria no cretino, principalmente nos cretinos. Tenho uma habilidade muito grande para isso. Não faço nenhuma concessão. Ainda mais num país tão subalterno como o nosso, todo mundo fala bem de todo mundo. Ninguém bate de frente, sou sozinho nisso”. Opositores aproveitam qualquer chance para zoar com ele. Neste mês, o anúncio de um show numa churrascaria em Osasco alimentou comentários sobre sua decadência no mercado musical. Segundo Lobão, trata-se apenas de uma participação no show de um grande amigo, o guitarrista Sergio Hinds, destaque do rock dos anos 1970 tocando no grupo O Terço.
“O lugar é bacana, um pub. Mas ninguém quis saber, querem provocar, mas eu estou cagando para esses caras. E, antes de tudo, sou um músico profissional, toco onde quiser! Eu toco em puteiro!” Muita gente acredita que Lobão, depois de tantos hits desde os anos 1980, perdeu espaço na música por sua posição de combate ao governo no PT. Ele discorda. “Ser antipetista não atrapalhou minha carreira. Meu nível de popularidade mudou há mais de 20 anos, quando me tornei artista independente, isolado mesmo. Ser artista de esquerda ou de direita não muda muito no Brasil, o que você precisa é concordar com os mecanismos do mercado, e eu não concordo.”
Lobão sempre foi um crítico feroz das leis de incentivo. “A cultura não precisa de assistencialismo. Precisa de mudanças para a criação de um show business que dê lucro. Não quero lei de incentivo, quero mudanças radicais, como fim da meia-entrada, redução de taxas para importação de instrumentos. Quero show business rentável, indústria cultural. Quero ser Coreia do Sul”. Sobre ataques pessoais, diz não se preocupar com ameaças de morte (“isso todo mundo recebe”), mas sabe que a agressão às vezes passa dos limites. Até quando atinge um de seus “inimigos” históricos, caso de Caetano Veloso. No ano passado, pessoas nas redes recriminaram o cantor baiano por ter namorado Paula Lavigne nos anos 1980, quando ela era ainda adolescente, classificando a relação como pedofilia. Quando se casaram, ela tinha 17 anos, e ele, 44.
“Esse ataque é uma vergonha. Veio num momento em que ele estava lançando uma turnê com os filhos que tem com Paula Lavigne. Eu sempre fui um adversário do Caetano, todos sabem, mas tive vontade de defendê-lo. Ele e ela se casaram, são amigos até hoje, ela é sua empresária. Foi uma difamação, como se ele fosse comedor de neném. Uma crueldade sem tamanho”. Os ataques constantes dos filhos de Bolsonaro a opositores do pai têm, segundo Lobão, a influência direta de seu guru. “Olavo escreveu que só tem quatro pessoas no Brasil que ele escuta: o presidente e seus três filhos. O resto que vá tomar no cu! Falou bem assim. Imagina toda a cúpula do governo ouvindo isso. Paulo Guedes, Moro, esses não têm importância nenhuma.”
Lobão diz enxergar no governo gente maldosa e gente realmente doida. “Carlos Bolsonaro fala em ruptura. Mas que ruptura? Você está no governo, quer romper com o quê? Maluquice.” Para ele, Olavo de Carvalho carrega uma energia maldosa, e cita as críticas feitas ao general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército até janeiro deste ano, que está em uma cadeira de rodas por causa de uma doença degenerativa. “Quando o Olavo começou a falar do general Villas Bôas, eu disse chega. Não posso estar do lado dessas pessoas. Desceu ao nível de caricatura.” Lobão fala também do total desconhecimento de Bolsonaro sobre a liturgia do cargo que ocupa. “O cara faz piada com tamanho do pau de japonês e os imbecis gritam ‘Mito!’ e tal. Esse cara não me representa. Com a minha história, não posso ficar calado com tanta grosseria e burrice.”
Sobre o que virá, Lobão não crava palpites diante do que chama de um governo imobilizado, que perdeu todos os apoios, parceiros que estavam de braços abertos, como Forças Armadas, partidos do centrão, evangélicos… “Não sei o que esperar. Autocracia de direita? Impeachment? Renúncia, embora essa opção eu ache pouco provável? Guerra civil? O Bolsonaro é um Jânio Quadros protopunk, mais tosco. Chamar estudante de massa de manobra é coisa de imbecil”. Para resumir o que pensa sobre PT e Bolsonaro, que agora parece repudiar com a mesma intensidade, Lobão oferece uma frase de efeito: “Uma seita não pode ser substituída por outra seita!”. As informações são da Folha Press.