Foi em 9 de agosto de 2013, na sede social localizada na Vila Ipiranga, em Porto Alegre, que os membros do conselho de administração da Taurus bateram o martelo — estava decidido que, sim, tomariam um empréstimo milionário ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo a proposta, acordada pelos executivos da maior fabricante de armas leves do Brasil, o financiamento deveria beirar os R$ 32 milhões. Levou dois meses até que as negociações fossem concluídas e a papelada estivesse devidamente assinada na sede do BNDES, no Rio de Janeiro.
Segundo documentos inéditos aos quais a Agência Pública teve acesso, em outubro de 2013 o banco fechou um contrato de financiamento de R$ 31,9 milhões, a serem pagos até 2020. O valor não foi mantido e em 2017 ambas as partes concordaram em cortar para um terço o empréstimo – o montante final ficou em R$ 9,9 milhões. O problema é que ambos os contratos vão contra a política do banco. De acordo com as regras do próprio BNDES, empresas do setor de comércio de armas não podem ser financiadas com o dinheiro público. As regras estão no site do BNDESe também nos relatórios anuais.
Empréstimos indiretos
Além dos R$ 9,9 milhões que o BNDES emprestou diretamente à Taurus, a Pública apurou que, desde 2002, o banco vem financiando a fabricante de armas de forma indireta, isto é, quando o BNDES empresta dinheiro em parceria com outros bancos, que assumem os riscos do contrato caso o devedor não pague. A reportagem encontrou 73 contratos firmados ao longo de 11 anos que ultrapassam os R$ 41 milhões em financiamentos indiretos à Taurus. O Banco do Brasil e o Banco do Estado do Rio Grande do Sul são algumas das instituições que participam desses empréstimos.
Afora os financiamentos indiretos, a Pública ainda encontrou mais dois contratos que determinam um empréstimo de mais R$ 9,6 milhões à Taurus em 2002, especificamente para apoiar produção direcionada à exportação. A venda para outros países é a principal fonte de renda da empresa – em 2018, 80% da receita líquida da Taurus veio do comércio exterior, a maioria, 75%, para os Estados Unidos. Há ainda mais de R$ 13 milhões de financiamentos indiretos do BNDES com a Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), empresa que produz munições e comprou a Taurus em 2015. Os contratos foram firmados de 2005 a 2010 e tiveram intermediação de instituições como Banco do Brasil.
Investigação
“O BNDES divulga essa informação de que um dos setores não apoiáveis é o comércio de armas. Contudo, o fato é: o BNDES ativamente empresta dinheiro para essas empresas, como a Taurus”, afirma o advogado do programa de Desenvolvimento e Direitos Socioambientais da Conectas, Jefferson Nascimento, que realiza uma pesquisa sobre o financiamento de bancos ao setor. Nos últimos anos, Nascimento fez uma série de pedidos de acesso à informação (LAI) ao BNDES, buscando contratos de financiamento com empresas que produzem e vendem armas. Ao encontrar esses documentos, ele questionou o banco por que firmaram esses acordos, apesar de serem proibidos pela política de financiamento.
A resposta: “O que o BNDES argumenta é que, na verdade, a restrição é de financiamento para empresas que têm como único objetivo o comércio de armas. Então, os empréstimos para a Taurus seriam para aquisição de bens de capital, como algum maquinário que seria utilizado para fabricação de chapas. O dinheiro não teria destinação específica de financiar o comércio das armas, mas uma parte do processo de produção da empresa”, comenta.
Na avaliação de Nascimento, a justificativa do BNDES não se sustenta, inclusive porque boa parte dos lucros das empresas brasileiras de armas vem justamente do comércio com outros países. “O setor de armas é dependente das exportações, assim, mesmo que não sejam empresas exclusivamente de comércio de armas, a exportação é uma parte considerável do negócio. Então, quando essa restrição a não financiar o setor se aplica? Porque, se não se aplicar, ela é apenas uma propaganda: dizem que não estão financiando a venda de armas, mas estão. Isso não fica claro”, critica.
Procurada pela Pública, a assessoria do banco explicou que essa regra existe ao menos desde a década de 1980, mas “não há violação da política já que a atividade econômica da Taurus é classificada, segundo o cadastro nacional de atividades econômicas (CNAE) do IBGE, como ‘fabricação de armas de fogo, outras armas e munições’, categoria pertencente à indústria de transformação”. A restrição se encaixa, segundo o BNDES, apenas ao comércio de armas, o que não incluiria a Taurus, ainda que a empresa esteja entre os maiores vendedores de armamento do país.
A política do BNDES não prevê nenhum tipo de punição no caso de financiamentos com empresas do setor de armas. A Pública questionou o banco se já houve algum pedido de empréstimo recusado ou cancelado por envolver empresas do ramo – a resposta do BNDES foi que “não houve operações justamente por conta de restrição das políticas operacionais do BNDES à atividade de comércio de armas”. As informações são de Bruno Fonsceca, da Agência Públic.