Era um julgamento para decidir pela incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, na quarta-feira (6). Era um momento em que uma mulher defendia a inconstitucionalidade da medida – que está diretamente ligada aos interesses de outras mulheres.
A advogada baiana Daniela Borges, professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e da Faculdade Baiana de Direito, estava no meio de sua sustentação oral, quando foi interrompida pelo ministro Marco Aurélio Mello. O ministro repreendeu o fato de a advogada ter se referindo à turma de ministros pelo pronome “vocês”. Defendeu que o correto seria tratá-los por “vossas excelências”.
Daniela tem posição de destaque na representação de outras mulheres – é atual presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nacional. Ela representava a OAB no processo quando passou pela situação. A entidade participa do caso como amicus curiae (“amigo da corte”, em latim) e defende que a cobrança é inconstitucional, além de onerar e gerar desestímulo à contratação de mulheres.
“Presidente, novamente, advogado se dirige aos integrantes do Tribunal como ‘vocês’? Há de se observar a liturgia. É uma doutora, professora”, repreendeu Mello. Após ser interpelada, Daniela pediu desculpas antes de seguir com a sustentação. “Peço desculpas a Vossa Excelência. Talvez pelo nervosismo. O senhor, Vossa Excelência, tem toda a razão. Peço desculpas. É o que posso fazer no momento”.
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Em nota, a advogada agradeceu as manifestações de solidariedade. “Quero dizer que, para mim, o importante é que ao final cumpri minha missão. Não me abati, terminei a sustentação oral com tranquilidade. O próprio Ministro, ao pedir vista, fez menção a um argumento que levantei e que fez com que ele repensasse seu posicionamento. Portanto, penso que o resultado foi positivo e espero que, ao final, seja declarada a inconstitucionalidade da contribuição previdenciária sobre o salário maternidade, matéria de grande importância para as mulheres”, disse.
O ministro já tinha repreendido um advogado na mesma sessão. No momento, porém, a reprimenda foi mais suave. O advogado Renato Nunes também se referira aos ministros como ‘vocês’. “O pedido de justiça que eu estou fazendo aqui para vocês, excelências, ele nunca foi tão eloquente”. Foi o que bastou para que o ministro Marco Aurélio interrompesse. “Para vocês?”, questionou. O advogado não entendeu e o ministro se referiu ao pronome de tratamento. “Me perdoe. Vossas excelências”, respondeu Nunes. As informações são do Correio 24h.
Confira a nota na íntegra:
“Sua Excelência é Daniela Andrade de Lima Borges
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, por meio de sua Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia, anseia por um Brasil verdadeiramente republicano, um país onde só pode haver uma excelência: o povo.
Ontem, como todos os dias, a única excelência presente no tribunal era o povo, que bate às portas do STF sedento por justiça, esperançoso em encontrar juízes que respeitem os preceitos republicanos, que trabalhem por um Brasil mais livre, justo e solidário. Já superamos os tempos colonialistas e ditatoriais, República é o que somos.
O Judiciário também é uma “res publica”, coisa do povo. A República há de tocar, definitivamente, o Judiciário, não há mais espaços para cortes e reis da justiça. Somos todos iguais, já é tempo de compreender que a Carta despreza liturgias e costumes inadequados aos novos tempos republicanos.
Nas tribunas do Poder Judiciário a advocacia fala em nome do excelentíssimo povo e merece respeito de todos vocês juízes. Por falar em nome e pelo povo, se há alguém que devesse ser chamada de excelência, ontem, esse alguém era a mulher advogada Daniela Andrade de Lima Borges.
Que viva e resplandeça cada vez mais a nossa excelência advogada Daniela Andrade de Lima Borges, que o seu exemplo renove os nossos ânimos para trabalharmos, cada vez mais, por um Judiciário verdadeiramente republicano”.