A primeira sessão do ano do pleno do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia (TCM-BA), na última terça-feira (4), ganhou ares de romance do realismo fantástico — gênero marcado pela presença de elementos sobrenaturais em cenários cotidianos e também pela falta de explicação racional para os acontecimentos. Isso por causa da presença de um conselheiro dedicado.
Essa história começa em 2015, quando o doleiro Alberto Youssef contou em delação premiada que o ministro das Cidades do governo Dilma, Mário Negromonte, havia aceitado uma promessa de pagamento de R$ 25 milhões ao Partido Progressista (PP), em 2011. Em troca, beneficiaria a indústria de rastreamento de veículos por meio de decisões do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) — órgão sob seu guarda-chuva.
O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ), porque Negromonte era conselheiro do TCM baiano e detentor de foro privilegiado. Em fevereiro de 2018, virou réu por corrupção e foi afastado do cargo até o fim do processo. Uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio de Mello suspendeu o afastamento. No entanto, ela foi cassada em novembro do ano passado pela maioria da Primeira Turma do mesmo tribunal. O político, portanto, deveria deixar o posto.
Passaram-se 76 dias, mas Negromonte e o pleno do TCM decidiram ignorar o que fora decidido pelo STF. Isso por um detalhe banal: na hora de oficiar o tribunal baiano, o ministro Luiz Fux comunicou a decisão ao tribunal errado — em vez do presidente do TCM-BA, colocou como destinatário da carta com aviso “urgente” o presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE-BA). O órgão cuida das contas do estado, e não de municípios.
Como a carta não chegou ao destinatário certo, tudo ficou como estava. “A decisão de afastamento é de conhecimento público, mas para a direção do TCM tomar alguma atitude ela precisa ser comunicada, precisa de um respaldo legal”, justificou a assessoria do tribunal. “Não houve intimação. Nem cabe à parte cumprir a decisão de livre e espontânea vontade”, complementou o advogado do ex-ministro Roberto Podval, que busca reverter a decisão de afastamento no mesmo STF.
Negromonte segue despachando no tribunal baiano, com salário mensal de R$ 46.100 e missão de “fiscalizar a gestão de recursos públicos dos municípios da Bahia”. É também sua função contribuir para o “aperfeiçoamento da administração pública e do controle social, preservando os interesses da sociedade”. Muita sorte teve, muita sorte tem, muita sorte terá. Texto de Thiago Herdy, extraído do site da Revista Época.