O ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, usou mensagens trocadas com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como prova de que o mandatário tinha a intenção de substituir o comando da Polícia Federal (PF), dentre outros motivos, por conta do inquérito das fake news que corre no Supremo Tribunal Federal (STF) em que deputados bolsonaristas são o alvo. As mensagens foram apresentadas por Moro ao Jornal Nacional, da TV Globo. A Folha também obteve acesso às mensagens após a divulgação pela emissora.
Moro mostrou ao telejornal uma troca de mensagens por aplicativo em que Bolsonaro lhe envia uma matéria do site O Antagonista intitulada “PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas”. Em seguida, o mandatário escreve: “Mais um motivo para a troca”, se referindo à sua intenção de tirar Maurício Valeixo do comando da corporação. O inquérito citado pela reportagem do site foi aberto para apurar fake news e ameaças contra integrantes da corte.
A instauração do inquérito foi muito criticada pelo fato de a corte ter agido de ofício, ou seja, ter iniciado uma investigação sem ser provocada pela Procuradoria-Geral da República, que nem sequer participa das apurações. Ainda segundo as mensagens mostradas no JN, Moro responde a Bolsonaro argumentando que a investigação não tinha sido pedida por Valeixo.
“Este inquérito é conduzido pelo ministro Alexandre [de Moraes] no STF. Diligências por ele determinadas; quebras por eles determinadas; buscas por ele determinadas. Conversamos em seguida às 9h”, referindo-se a uma reunião que teria com Bolsonaro na manhã de quinta (23). Na noite desta sexta, Moraes determinou à Polícia Federal que mantenha à frente dos casos os delegados que apuram a propagação de notícias falsas contra a corte e investigam os protestos a favor da ditadura militar.
Além do inquérito das fake news, a decisão de Moraes alcança outro inquérito, aberto na terça (21) e que faz referência às manifestações do último domingo (19) que pediram a intervenção militar e a volta do AI-5. Moro também encaminhou ao telejornal mensagens trocadas com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), uma das mais fiéis aliadas de Bolsonaro no Congresso Nacional.
As mensagens, segundo o ex-ministro, provam que ele não condicionou aceitar a troca na PF a uma futura indicação para o STF —acusação feita por Bolsonaro. Nas mensagens, Zambelli diz: “por favor ministro, aceite [Alexandre] Ramagem [diretor da Abin, a Agência Brasileira de Inteligência, e um dos candidatos de Bolsonaro para assumir o comando da PF]”.
A deputada continua: “e vá em setembro para o STF. Eu me comprometo a ajudar, a fazer JB [Jair Bolsonaro] prometer”. Como resposta, Moro escreve que não está à venda. Moro deixou o governo nesta sexta. A saída do ex-ministro teve como pano de fundo a decisão do presidente de remover Valeixo da direção-geral da Polícia Federal. Na quinta-feira (23), Bolsonaro informou Moro de que tiraria Valeixo do cargo, momento em que o agora ex-ministro resistiu e chegou a pedir demissão do ministério.
Auxiliares palacianos entraram em campo para tentar reverter o quadro, mas a publicação da demissão de Valeixo no Diário Oficial da União na madrugada desta sexta-feira (24) foi considerada a gota d’água para Moro. Numa declaração para anunciar sua saída do Ministério da Justiça, o ex-juiz da Lava Jato afirmou que Bolsonaro lhe disse querer trocar o comando da Polícia Federal para ter interferência política sobre o órgão e para obter relatórios de inteligência. Moro argumentou ainda que não concordou com a demissão de Maurício Valeixo do posto e que, por isso, decidiu sair do governo. O ex-ministro também afirmou que ficou sabendo da exoneração de Valeixo pelo Diário Oficial da União e que ela não ocorreu a pedido, ao contrário do registrado no documento público.
Bolsonaro respondeu a Moro no final da tarde desta sexta, em um pronunciamento no Palácio do Planalto. Nele, o presidente acusou seu antigo aliado de negociar uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) e admitiu interesses pessoais em ações da Polícia Federal. Bolsonaro afirmou que Moro pediu a ele para que a troca do comando da PF ocorresse em novembro, depois de o ex-juiz ser indicado a uma vaga no STF. “É desmoralizante para um presidente ouvir isso”, afirmou Bolsonaro durante pronunciamento na tarde desta sexta-feira (24).
Pronunciamento de Moro
Pelo critério de aposentadoria compulsória aos 75 anos dos ministros do Supremo, as próximas vagas serão as de Celso de Mello, em novembro deste ano, e Marco Aurélio Mello, em julho de 2021. Minutos após o pronunciamento do presidente, Moro negou a acusação de Bolsonaro. “A permanência do Diretor Geral da PF, Maurício Valeixo, nunca foi utilizada como moeda de troca para minha nomeação para o STF. Aliás, se fosse esse o meu objetivo, teria concordado ontem com a substituição do Diretor Geral da PF”, escreveu Moro em rede social.
Em outra mensagem, Moro afirmou: “De fato, o Diretor da PF Maurício Valeixo estava cansado de ser assediado desde agosto do ano passado pelo Presidente para ser substituído. Mas, ontem, não houve qualquer pedido de demissão, nem o decreto de exoneração passou por mim ou me foi informado”. O presidente disse não ter que pedir autorização para trocar um diretor da PF. “Não tenho que pedir autorização para trocar um diretor ou qualquer outro que esteja na pirâmide hierárquica do Executivo.”
“Desculpe senhor ministro, mas o senhor não vai me chamar de mentiroso”, afirmou Bolsonaro, que não explicou a assinatura de Moro no ato de exoneração do diretor-geral da PF. Após o pronunciamento de Bolsonaro, o Planalto admitiu o erro e republicou, em edição extra do Diário Oficial, a demissão de Valeixo sem a assinatura eletrônica de Moro. Ainda sobre hierarquia, Bolsonaro disse que “o dia em que eu tiver que me submeter a um subordinado, deixo de ser presidente da República”. Bolsonaro admitiu ter cobrado Moro pela investigação sobre a facada que o presidente, então candidato, sofreu em setembro de 2018, durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG).
Ao lembrar do atentado, disse que o ex-juiz da Lava Jato não esteve com ele na campanha eleitoral e que não sabe em quem Moro votou no primeiro turno. O presidente afirmou que “nunca pedi pra ele [Moro] o andamento de qualquer processo” e que a “inteligência com ele [Moro] perdeu espaço na Justiça”. E que pedia sim relatórios atualizados. “[Pedia] quase que implorando informações.” E completou: “Eu sempre abri o coração pra ele, e duvido se alguma vez se ele abriu pra mim”. Para Bolsonaro, Moro se preocupou mais com o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco do que com Adélio Bispo, autor do atentado a faca.
Pronunciamento de Bolsonaro
O presidente disse ter procurado a Polícia Federal quando surgiu a notícia de que um filho do presidente namorara uma filha do policial reformado Ronnie Lessa, preso em março de 2019 sob suspeita de matar Marielle. Bolsonaro relatou que, à época, chamou seu “filho 04”, Jair Renan, 22, e disse para ele: “Abre o jogo”. No pronunciamento, Bolsonaro declarou ter ouvido do filho que ele havia saído “com metade do condomínio”. Para o mandatário, a intenção da polícia era mostrar que ele tinha relações familiares com Lessa. Foi então que o presidente interferiu no trabalho da PF.
“E aí eu fiz um pedido para a Polícia Federal, quase com um ‘por favor’: chegue em Mossoró e interrogue o ex-sargento. Foram lá, a PF fez o seu trabalho, interrogou e está comigo a cópia do interrogatório, onde ele diz simplesmente o seguinte: a minha filha nunca namorou o filho do presidente Jair Bolsonaro, a minha filha sempre morou nos Estados Unidos”, relatou Bolsonaro. “Mas eu é que tenho que correr atrás disso? Ou é o ministro? Não é a Polícia Federal que tem que se interessar? Não é para me blindar porque eu não estou em busca de um crime”, disse o presidente.
Bolsonaro declarou ainda que Moro, como juiz da Lava Jato, era “um ídolo”. Para ele, Moro tem o compromisso com o seu ego. Relembrou do episódio do aeroporto, em 2017, quando o então juiz não lhe deu atenção no aeroporto de Brasília. O presidente ressaltou que confiava em Moro e que nunca esteve contra a Operação Lava Jato. E reforçou que as nomeações de seu governo não são feitas de forma partidária. As informações são da Folha de São Paulo.