Por Wellington das Mercês*
Desde o Brasil – Colônia, coube às irmandades religiosas e posteriormente, aos senhores de engenho, a formação das bandas de fazendas. Com a finalidade de manter as tradições portuguesas por aqui, os músicos que tocavam para as entidades religiosas buscavam o aprendizado musical ou mesmo aprender a ler e em troca de alimentação; já com os fazendeiros, a relação continuava escravagista, sendo que o valor de mercado aumentava. Deve-se mencionar que ainda no período colonial esses grupos musicais eram conhecidas como bandas de barbeiros também.
A partir do século XVIII, cresce o número de bandas oriundas de fazendeiros tornando-se um costume, como forma de aferir poder e riqueza através dessas formações musicais. A banda era oferecida em diversas ocasiões: festas religiosas, festas cívicas, leilões, rifas, campanhas políticas, saudações a personagens ilustres, enterros, carnaval, como outras diversas funções. A presença da banda em centros urbanos era sinal de prestígio e força do seu dono. Posteriormente, passaram a cobrar por tocatas.
Com o advento da república no Brasil e a diminuição das bandas de fazenda, começaram a surgir no início do século XIX, as primeiras filarmônicas, em formato de sociedades civis, tendo como mantenedores fazendeiros, comerciantes e pessoas da comunidade.
Na Bahia, de acordo com Regina Cajazeiras, são essas filarmônicas criadas no final do século XIX, ou já centenárias: “25 de Março” (Feira de Santana – 1868); Lira Ceciliana (Cachoeira – 1870); “Vitória” (Feira de Santana – 1873); 2 de Janeiro (Jacobina – 1878); Minerva Cachoeirana, em 1878; Terpsícore Popular (Maragojipe – 1880); 2 de Julho (Maragojipe – 1887); 5 de Março (Muritiba – 1887); Erato Nazarena (Nazaré das Farinhas, 1863); Euterpe Alagoinhense (1893); Filarmônica União Ceciliana (1863), ambas em Alagoinhas.
Tem ainda a 24 de Junho (Jeremoabo – 1894); 15 de Setembro (Belmonte – 1895); 30 de Junho (Serrinha – 1896); 23 de Dezembro (Mucugê – 1901); 13 de Junho (Paratinga – 1902). Acrescenta-se a esta lista ainda: Lira Popular Muritibana (Muritiba – 1899); Sociedade Musical Lira Sangoçalense (São Gonçalo dos Campos – 1901); Sociedade Filarmônica Amantes da Lira (Santo Antônio de Jesus – 1904); Sociedade Filarmônica Minerva (Morro do Chapéu – 1906); Sociedade Beneficente Musical União dos Artistas (Bom Jesus dos Passos – 1914), dentre possíveis outras.
Na Bahia, através da banda de música, o ensino de música sobreviveu aos embates políticos e se fortaleceu como escola de música em localidades onde, até hoje, não existe o ensino dessa arte em escolas da rede pública de ensino. Mas, algumas questões ainda persistem sem uma resposta convincente: Será que ainda existe uma herança de rivalidades, mesmo com um contexto histórico tão diferente onde não há sentido (aparentemente) de disputas? Como escolas de músicas, haveria sentido em promover esse espírito de disputa, tão contraditório ao espírito da música? Então, por que, atualmente, essas associações são tão “invisíveis” perante os poderes públicos?
São incontáveis a quantidade de bandas cuja vida é breve. Geralmente, quando bancadas pelo poder municipal sucumbem às intempéries do poder em cada região. Em âmbitos estadual e federal faltam políticas que permitam a continuidade quanto à manutenção de instrumentos, cursos eficazes para reciclagem e formação de novos mestres de música, ou mesmo, manutenção de prédios históricos. No entanto, estamos em um Estado territorialmente maior que determinados países europeus e a falta de comunicação, concatenação entre essas bandas são fatores que influenciam em questões de fortalecimento político.
Ao mesmo tempo, volta à tona a seguinte indagação: Será que as bandas não se afastaram por demais de suas comunidades ao ponto de ficarem totalmente dependentes de situações políticas locais? Caso, esse distanciamento tenha acontecido, quais medidas poderiam ser tomadas para resgatar esses sócios, que na origem dessas agremiações, após a Abolição da Escravatura, foram responsáveis pelo advento dessas sociedades? Ou ainda, até que ponto a conjuntura socioeconômica ainda permite essa parceria? Lembremo-nos que ao contrário das orquestras sinfônicas, que têm sua tradição nos palácios e salas de concertos; as bandas têm sua origem próxima ao povo.
*Wellington das Mercês, é Mestre em Educação Musical pela Ufba; Bacharel em Trompete pela Ufba; Especialista em Metodologia do Ensino das Artes (Uninter); Atualmente, professor de Trompete do Colégio Estadual Dep. Manoel Novaes – Salvador.