O espetáculo considerado uma espécie de “candomblé de caboclos”, o Jarê é encenado na no município de Andaraí, na Chapada Diamantina, sendo intimamente ligado à história local e tem como uma das principais peculiaridades o sincretismo religioso, com influência do catolicismo, umbanda e do espiritismo kardecista.
A religião de matriz africana, que representa uma soma de diferentes culturas, conta com uma forma musical com batidas diferentes e a construção autônoma dos atabaques imitando a produção dos índios, no qual na cidade o instrumento é conhecido como ‘couro’.
O município de Andaraí é dividido entre a “metade de pedra” e a “metade de areia”, inspirado pela exploração diamantífera na região. O centro histórico fica localizado na “parte de pedra”, a que tem incrustada em suas ruas parte da história da exploração do diamante na cidade. A “porção de areia”, mais recente, é correspondente as antigas propriedades rurais e a algumas faixas de terras cedidas pela paróquia local há cerca de cinquenta anos].
Na primeira, entre diversos casebres antigos, está a Casa de Ogum, uma espécie de catedral desta religião. No terreiro, há uma saudação ao Divino Espírito Santo, e aos três irmãos: São Cosme, São Damião e São Roque.
Com origens do culto em meados do século XIX, ligadas ao período da mineração, uma das responsáveis por arar o terreno e manter ele funcionando, Idalina Sales Barbosa, contou para a Carta Capital sobre a sua entrada para a religião.
“Não entrei no jarê por boniteza ou vaidade. Cumpri as ordens de Deus e de Ogum de Lei. Não vi a hora que entrei, quando me dei fé já estava dentro. Atendi ao chamado para fazer as rodas de samba”, afirma a mãe-de-santo. Ogum de Lei é o ancestral da matriz iorubá associado à guerra e ao fogo e aplicador da lei de Xangô, orixá da justiça.
Barbosa tem mais de 75 anos no Jarê, visto que começou ainda criança, iniciando um movimento de povoamento religioso em outros municípios. “Tenho filho de santo em São Paulo, em Salvador, em Feira de Santana. Nesses lugarzinhos todos eu tenho filho de santo”, ressaltou, com orgulho.
O Jarê, típico da Chapada Diamantina, foi liderado pelas nagôs, etnia à qual pertenciam senhoras africanas escravizadas e alforriadas trazidas para a região. Embora se acredite sobre a existência de casas do culto ainda no final do século XIX e no início do século XX, a mais antiga de que já se ouviu falar foi a de Zé da Bastiana, fundada numa área densa de mata por volta de 1970, terreiro posteriormente conhecido como Chalé.
Os Jarês, na visão do antropólogo fluminense Gabriel Banaggia, são festas. Seja como forma de cumprir as obrigações com caboclos e de celebrar as datas em que são homenageados, seja como uma ocasião para o encontro e o divertimento do povo de santo e de visitantes habituais. Os “sambas”, nome que recebem as festas na cidade, são cerimônias quase sempre públicas.
Anualmente as cerimônias são feitas em louvor aos santos, sendo apenas duas na Casa de Ogum. A primeira feita em comemoração à São Cosme e São Damião acontece no dia 7 de setembro. Já em 04 de dezembro é homenageada é Santa Bárbara, associada a Iansã.
Ao som dos couros e das cantigas ecoantes, os caboclos chegam ao terreiro, manifestando-se nos corpos dos filhos e filhas de santo da casa e na audiência presente. A palavra ‘caboclo’ designa todas as entidades do jarê e as forças espirituais acompanham a pessoa desde o nascimento e a presença delas se revela ao longo da vida. Na cosmologia do jarê, a cura é um estado de constante negociação com o meio-ambiente.
No dia da festa, as pessoas que moram no entorno das casas despertam com foguetórios, disparados logo às seis horas da manhã. Como muitas destas festas podem durar mais de 24h, essas ocorrem em terreiros mais afastados do centro urbano, longe da “lei do silêncio”. Jornal da Chapada com informações da Carta Capital.