Alguns pacientes quando estão próximo dos seus últimos dias de vida, conseguem ter uma melhora repentina. A maioria das pessoas que atuam em unidades hospitalares já presenciaram uma história como essa, segundo o médico Frederico Fernandes, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia.
No Reino Unido, uma pesquisa em 2008 com profissionais dos asilos apontou que sete em cada 10 presenciaram casos de pacientes com demência ou confusão mental que melhoraram pouco antes de morrer.
A melhora da morte é algo inexplicável até os dias atuais para a ciência, visto que há diversas hipóteses que tentam explicar o fenômeno, contudo, nenhuma delas foi comprovada até agora. As dúvidas existem pelo menos desde Hipócrates, médico grego considerado o pai da Medicina, que nasceu quatro séculos antes de Cristo. Ele e outros nomes da Grécia Antiga acreditavam que a alma permanecia basicamente intacta, enquanto o cérebro é afetado por um mau funcionamento físico ou distúrbios da mente.
Uma das hipóteses é das oscilações normais em pacientes graves, uma reação química do corpo que funcionaria como um instinto de sobrevivência, o acaso, a persistência da consciência durante a morte e o viés de confirmação.
Há também diversos obstáculos, inclusive éticos, para testar essas hipóteses, como realizar exames invasivos em pacientes graves. Para o biólogo alemão, Michael Nahm, estudos podem, em tese, abrir portas para entendermos os mecanismos em torno da memória para além do sistema nervoso, por exemplo.
“Se as memórias não forem armazenadas apenas no cérebro, isso certamente aumentaria nossa compreensão do processamento da memória e da mente humana, porque isso não poderia ser reduzido a um mero subproduto de neurônios ativados.”
Estudos
A maioria dos estudos e relatos sobre esse tema se concentra em pacientes com doenças neurodegenerativas, mas há registros de casos em pessoas que apresentavam tumores, abscessos no cérebro, meningite, doenças pulmonares em estágio avançado, coma ou acidente vascular cerebral (AVC), por exemplo. Além disso, os pesquisadores e especialistas explicam que essa melhora súbita nem sempre ocorre às vésperas da morte.
Em 2009, Michael Nahm e Bruce Greyson, pesquisador do departamento de psiquiatria e ciências neurocomportamentais da Universidade da Virgínia (EUA), levantaram 49 casos descritos na literatura médica. Sem permitir conclusões profundas sobre o tema, algumas pistas do fenômeno são dadas.
Dos 49 casos, 43% foram de melhora súbita 1 dia antes da morte, 41% de 2 a 7 dias e 10% de 8 a 30 dias. A maioria dos pacientes tinha demência, cuja forma mais comum é o mal de Alzheimer. A prevalência da demência entre pacientes com melhora súbita às vésperas da morte aparece também em estudo produzido pelo filósofo e cientista cognitivo Alexander Batthyány, pesquisador de instituições da Hungria, Aústria, Rússia e Liechtenstein.
Ele analisou 38 casos descritos de pacientes com demência. Do total, 44% ocorreram 1 dia antes da morte e 31%, de 2 a 3 dias. Além disso, 43% dos episódios duraram menos de uma hora e 16% duraram 1 dia ou mais. Contudo, até então, não há estudos quantificados que apontem quantos casos de fato existem por ano dessa melhora antes da morte.
Hipóteses
Um estudo analisado em 2018 por um grupo de dez pesquisadores, entre eles Nahm e Batthyány, chegou à conclusão de que seja bastante improvável que ele seja explicado por uma regeneração dos neurônios afetados ao longo do tempo.
Outra hipótese, proposta por Fernandes, do Hospital das Clínicas da USP, é de que o corpo emite uma descarga de hormônios de estresse quando percebe que está próximo da morte, situação conhecida como “luta ou fuga”, que é a resposta fisiológica que funciona como uma espécie de instinto de preservação. Segundo ele, caso essa explicação seja confirmada, ela também poderia trazer pistas sobre por que essa melhora súbita é rara.
Stafford Betty, professor de Estudos Religiosos da Universidade do Estado da Califórnia, diz que a questão passa pelo que alguns chamam de alma. “Pense em uma mulher que perdeu toda a sua capacidade de se comunicar com outras pessoas e, por alguma estranha razão, pouco antes de morrer, ela irrompe em sua antiga personalidade, com seu cérebro totalmente destruído, e consegue de repente conversar com pessoas amadas. A razão de esses momentos de lucidez aparecerem é que a consciência do ser (que alguns chamam de alma) conseguiu se desvencilhar do cérebro e funcionar independentemente do sistema nervoso”, explica.
A neurofisiologista Jimo Borjigin, da Universidade de Michigan, liderou um estudo com ratos em 2013 que apontou que mesmo após o coração e circulação sanguínea pararem, o cérebro continuava funcionando. Mais especificamente, havia ondas gama, associadas nos humanos à consciência.
Borjigin explica que alterações nos níveis de oxigênio levam o cérebro a ser capaz de fazer com que pessoas com apneia do sono acordem e voltem a respirar, e um mecanismo semelhante ocorre com pacientes de doenças crônicas. “Nesses casos, quando um limite é ultrapassado, o cérebro é ativado e temporariamente aumenta sua atividade com um alto nível de consciência que permite falar, agir racionalmente e talvez isso seja o que esteja por trás da lucidez terminal.”
Para os pesquisadores que analisaram as evidências em torno da melhora antes da morte, uma das hipóteses que o estudo liderado por Borjigin aponta é que, à medida que os níveis de oxigênio e glicose caem ou oscilam, há um aumento dos níveis de neurotransmissores que resultariam em uma ativação transitória ou instável do cérebro.
Além disso, há diversas outras hipóteses levantadas por especialistas, assim como há vários caminhos possíveis apontados pelo Instituto Nacional de Envelhecimento dos Estados Unidos (NIA, na sigla em inglês), que passou a financiar estudos para entender os episódios de lucidez em pacientes com demência avançada, não necessariamente pouco antes da morte. Jornal da Chapada com informações do G1 e da BBC.