A senadora Simone Tebet (MDB-MS) não integra oficialmente a CPI da Covid no Senado, mas foi a responsável por duas das intervenções mais importantes no colegiado até agora. Ela extraiu do deputado Luis Miranda (DEM-DF) o nome do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), citado pelo presidente Jair Bolsonaro como responsável pela pressão pela compra da vacina indiana Covaxin, hoje sob investigação. Dias depois, Tebet expôs modificações grosseiras em documento apresentado pelo ex-número 2 da Saúde, o coronel Élcio Franco, e o ministro Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência, para rebater as acusações de irregularidades.
Simone avalia que a CPI já reuniu elementos suficientes para embasar um pedido de impeachment de Bolsonaro, diante da atuação do chefe do Executivo federal na pandemia. E alerta: mesmo que o impedimento do presidente ainda não tenha os 342 votos necessários na Câmara, esta situação pode mudar nas próximas semanas, conforme as investigações da CPI se aprofundem. “É preciso aguardar o término desse período normal da CPI, que termina em trinta dias. Nós teremos, a partir daí, provavelmente, novos elementos que possam reforçar a perda da base parlamentar do presidente da República”, disse ela em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo.
Sobre a compra da Covaxin, Tebet é taxativa e diz que houve prevaricação, isto é, servidores públicos que tinham obrigação de investigar fizeram vista grossa para as irregularidades. “Agora, quem prevaricou? A pergunta que se faz é: quem é que vai assumir essa responsabilidade em nome do presidente da República?”, questiona ela. No entendimento de Tebet, a CPI da Covid “já deu resultado” ao pressionar o governo para mudar de atitude na condução da pandemia. “A CPI, se acabasse hoje, já teria dado resultado. Já seria considerada a CPI mais importante, com mais resultados, da história das CPIs do Congresso Nacional”, diz a senadora.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
A senhora vê que a CPI já chegou ou pode chegar a subsídios para o impeachment do presidente da República? A senhora é a favor do impeachment?
Os subsídios existem. Você tem no impeachment sempre dois elementos que precisam ser analisados: é um instrumento jurídico e político. Os fatos existiram. Ali há indícios muito fortes de crime de responsabilidade. De autoridades. Nesse aspecto jurídico, nós temos elementos, sim. A primeira etapa está clara. Tem elementos jurídicos. Vamos, agora, para o segundo passo. Houve perda da popularidade do presidente da República? Como está a economia? Nenhuma CPI, nenhum impeachment, andou sem estar a economia abalada e sem a perda de apoio popular. Os dois (elementos) estão presentes.
A questão é que, ainda, não chegou ao ponto, a meu ver, de o presidente perder apoio parlamentar, dentro da Câmara dos Deputados. Eu não acredito que se tenha, ainda, números para a instauração. É preciso aguardar esses trinta dias da CPI. Eu acho que, no quesito de regularidade de contratos, muita coisa vai vir à tona. Nós teremos, a partir daí, provavelmente, novos elementos que possam reforçar a perda da base parlamentar do presidente da República. Eu acho que, daqui a trinta dias, nós teremos condições de estar apoiando um processo de impeachment do presidente da República na Câmara dos Deputados.
Pelo que a comissão apurou, dá para falar em envolvimento do presidente da República? Ou, pelo menos, em leniência, conivência ou prevaricação da parte dele no caso da compra da vacina indiana Covaxin?
A prevaricação no governo, em relação ao contrato da Covaxin, existiu. Agora, quem prevaricou? A pergunta que se faz é: quem é que vai assumir essa responsabilidade em nome do presidente da República? Houve a conversa (na qual Luis Miranda e seu irmão, servidor da Saúde, alertaram Bolsonaro sobre as irregularidades) no dia 20 de março. O governo não nega. O governo não nega que mandou para o ministro Pazuello investigar. O ministro Pazuello sai do ministério dois dias depois. Mas, antes disso, disso que passou para o Élcio, que é o número dois dele, que é o (ex) secretário executivo (da Saúde). O secretário executivo, que saiu um dia depois do ministério, disse: “Apurei e não vi nada”. Em um primeiro momento, a prevaricação recai sobre o coronel Élcio Franco.
A pergunta é: cadê o documento que o Pazuello mandou para o Élcio, mandando investigar? Cadê o e-mail, o ofício, a sindicância administrativa, o “WhatsApp”, do Élcio para os subalternos, para investigar? Todo mundo fala que investigou. No mundo do direito público, não existe ato sem materialidade, sem documento. Não basta a palavra: “mandei investigar”. Mandou? Quem você mandou? Quem foi acionado?
A senhora julga que a CPI já tem elementos suficientes para não “acabar em pizza”?
A CPI, se acabasse hoje, já teria dado resultado. Já seria considerada a CPI mais importante, com mais resultados, da história das CPIs do Congresso Nacional. A primeira fase dela está concluída. Está comprovado a omissão dolosa – não é só culposa, é dolosa (quando há a intenção de provocar dano) – do governo federal no atraso das compras de vacinas. Com base em uma tese focada em imunidade de rebanho por contaminação, houve toda uma situação de atrasar a compra de vacinas, de não fazer campanhas publicitárias, de não estimular o distanciamento social, o uso de máscaras e tudo mais… Isso é crime.
Por si só, a CPI, se terminasse hoje, já cumpriu a sua primeira fase. O problema e o lamento é que, quando nós estávamos concluindo essa primeira fase, surge, da boca de um deputado federal bolsonarista, portanto de dentro do governo, uma denúncia seriíssima de que, além do negacionismo e dessa conduta negligente, imprudente, até dolosa, de alguns, em relação à condução da pandemia, havia também fortes indícios de crimes, no plural, de corrupção na compra de vacinas, também no plural. Óbvio que, nessa segunda fase, nós ainda estamos investigando.
A CPI, no começo, foi muito criticada por só ter homens em sua composição oficial. Vimos que a senhora tem se destacado nos interrogatórios. Conseguiu, por exemplo, extrair do (deputado) Luis Miranda o nome do Ricardo Barros. O que fez de diferente em relação aos colegas homens para esse resultado?
Eu acho que a pergunta é o que as mulheres fazem de diferente na política. A diferença da mulher na política, em relação ao homem, é a sensibilidade. Esse “feeling”, esse acolhimento, esse olhar mais sensível. No caso específico, que eu vi, já nove horas da noite, todos entrando com muita contundência em um embate com um deputado federal, que também faz parte da política e, portanto, não aceitaria muito bem a forma como estava sendo inquirido. Eu fiz o processo inverso. Que foi a proteção. “Olha, deputado, o senhor já cumpriu uma parte da missão, agora é hora de fazer um serviço ao País”.
Quando eu disse para ele: “Eu sei que o senhor sabe, o senhor não quer dizer, eu entendo, eu respeito…” Também me coloquei no lugar dele. Ele foi e soltou. Até soltou antes do que eu imaginava. Não estou dizendo que eu achava que ele fosse falar comigo. Mas eu tentei uma estratégia diferente que acabou dando certo. Acho que estava no lugar certo e na hora certa. Mais importante, isso prova a importância do papel da bancada feminina.
O presidente do MDB, Baleia Rossi, tem mencionado frequentemente o nome da senhora como um possível nome para a disputa presidencial de 2022, como um nome de centro. A senhora toparia colocar o seu nome?
Eu tenho certeza que terá uma terceira via (em 2022). E seja quem for, eu estarei com ela. Óbvio que teremos dois ou três nomes ali, e nós depois, lá na frente, em um projeto de terceira via, para fazer com que o país possa voltar a ter esperança. Eu tenho muita preocupação com a polarização desses dois nomes (o ex-presidente Lula, do PT, e Bolsonaro). O Brasil precisa de paz para crescer e se desenvolver. Enquanto se briga aqui por espaços políticos, as pessoas voltaram a passar fome. Diante desse cenário (…), nós não temos como optar pelo passado ou pelo presente. Nós temos que fazer uma opção pelo futuro.
Neste momento, não estou preocupada com nomes. Mas em fazer parte de um projeto, que é um projeto do MDB, de estarmos dentro da terceira via. Se o MDB vai lançar candidato próprio ou não, é uma decisão que nós só teremos em meados de agosto, daqui uns trinta dias (…). Hoje, eu entendo que o meu papel é ser senadora da República. E, hoje, se eu puder, eu sou candidata à reeleição. Mas, como eu disse, quem está na vida pública não pode escolher espaços. Acho que nós temos muitos nomes que têm todas as condições de constar nessa lista de terceira via. A redação é do Estadão via site Política Livre.