Os proprietários de terras em Dom Basílio, município do Sul da Chapada Diamantina, denunciaram a multinacional francesa ‘Voltalia Energia do Brasil’ por desmatamento, conivência com grilagem e invasão de propriedade rural. Contudo, a empresa produtora de energia renovável nega as acusações.
Dois lavradores, sendo que um não quis se identificar, afirmam que o caso aconteceu há cerca de dois meses. “Abriram a terra com quase 8 metros de largura e 1,3 quilômetro de abertura”, conta Antônio Manoel Ribeiro, de 53 anos. O lavrador explica que a propriedade é da família dele há mais de 100 anos e que ela foi passada para ele através de uma escritura registrada em cartório há cerca de oito anos.
Contudo, ele precisou se mudar com a sua esposa para o povoado de Jatobá, após o pai de Antônio sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC), e só obteve conhecimento da situação quando os moradores o comunicaram. “Foi uma invasão na minha propriedade. Tem uma nascente que abastece a comunidade, então se não fossem barrados chegariam ao topo da serra”, relata. Ele conta que não foi procurado pela multinacional francesa.
“Eu fiquei abalado, porque invadiram o terreno. Eu não tinha contrato com eles [Voltalia] e, mesmo que tivesse, eles não podiam entrar sem avisar. Eu tenho contrato com outra empresa, focada em energia eólica, que é bem organizada e respeita o meio ambiente”, diz. Ele ainda conta que já plantou feijão, algodão, mamona e mandioca no local. Contudo, em razão dos problemas de saúde e da seca, não plantava mais. “Era lá que tirávamos o sustento da família”, afirma.
Ele registrou um boletim de ocorrência na delegacia para denunciar o fato e comprovar que não autorizou a suposta invasão. De acordo com a Polícia Civil, as investigações já foram iniciadas e os depoimentos estão agendados para ocorrer ainda neste mês de agosto. A Polícia também informou que a unidade onde o caso foi registrado deve solicitar uma perícia.
Outro lavrador, que não quis ser identificado, afirma que a multinacional francesa chegou no local tem entre 60 e 70 dias. “Eles invadiram as terras com maquinário e subiram a serra”, conta. “Derrubaram umbuzeiro, que não pode derrubar. O Ministério do Meio Ambiente recomenda o que pode e o que não pode, e eles derrubaram”, cita. A árvore, umbuzeiro, tem a derrubada proibida em todo o Brasil desde 2005, segundo medida aprovada pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
A derrubada do umbuzeiro, que é um tipo de árvore, é proibida em todo o país desde 2005. A medida foi aprovada pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. “Por isso pedimos para parar, porque ia atingir a nascente que fornece água para 90 famílias. Se atingisse a nascente, essas pessoas ficariam sem água”, explica.
Denúncia ao Incra-BA
Uma denúncia, feita por um agricultor, foi encaminhada ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária da Bahia (Incra-BA). Um engenheiro agrimensor, que também não quis se identificar, participou da denúncia como responsável técnico.
“Ela [Voltalia] está arrendando uma área que foi invadida por grilagem, que estavam tentando grilar. Então ela [Voltalia] está conivente com a grilagem”, conta o engenheiro. O engenheiro conta que houve a abertura de acessos para que fosse possível chegar a uma área mais alta da propriedade para instalação de possíveis torres de medição. Ele ainda afirma que já foram duas áreas desmatadas, mas não detalhou os locais.
De acordo com o engenheiro, duas pessoas que supostamente estariam tentando se apossar das terras por meio de grilagem não conseguiram provar o domínio. Por meio de nota, o Incra-BA informou que a Superintendência Regional do Incra na Bahia verificou duas certificações relacionadas ao imóvel rural, sendo que uma delas já foi cancelada e a outra encontra-se com requerimento de cancelamento em análise.
O Incra-BA também esclareceu que a certificação é um instrumento declaratório apresentado pelo técnico e o proprietário rural. Logo, não comprova o domínio sobre a terra, que é atribuição de documentos cartoriais. De acordo com o engenheiro, a denúncia foi feita por se tratar de empresa francesa instalada no Brasil, no entanto, equiparada à estrangeira pelo fato do capital social ser composto de estrangeiros.
“Ela necessita de autorização do Incra para aquisição ou arrendamento de imóvel rural no país e, dependendo a área, até do Congresso Nacional. O presidente da França Emmanuel Macron vive criticando desmatamentos no Brasil, mas aí vem uma empresa francesa e faz isso aqui”, critica.
Secretaria de Meio Ambiente de Dom Basílio
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMMARH) de Dom Basílio informou, por meio de nota, que encaminhou uma equipe técnica para averiguar os fatos, mas não identificou irregularidade. “A vistoria técnica não identificou qualquer indicio de infração que pudesse caracterizar desmatamento, grilagem, nem tão pouco invasão de propriedade, visto que a atividade que estava sendo realizada, tratava-se da manutenção de uma trilha, conhecida por “estrada vicinal”, de responsabilidade pública, com isso, essa Secretaria afirma que não houve violações legais”, diz a nota.
“No entanto, ao averiguar a ausência de comunicação para manutenção da estrada, a aludida empresa foi convidada a suspender as atividades até a respectiva formalização. Imediatamente o pedido fora atendido estando suspensas quaisquer atividades no local. No tocante ao aspecto indenizatório ao proprietário, como já abordado acima é um acesso público ‘estrada vicinal’, não existindo cunho indenizatório, com base na legislação vigente desse município”, completa a nota.
Posicionamento Voltalia
Já a Voltalia afirma que repudia ação que vá contra a legislação brasileira e reforça que não procede qualquer denúncia de grilagem ou invasão de propriedades. Confira íntegra do posicionamento da multinacional francesa:
“A Voltalia Energia do Brasil repudia veementemente qualquer irregularidade ou ação em contrariedade à legislação brasileira e esclarece que não procede qualquer denúncia de grilagem ou invasão de propriedades atribuída a ela e, mais especificamente neste caso, no município de Dom Basílio, no Sudoeste da Bahia. A empresa afirma que cumpre rigorosamente a legislação ambiental e imobiliária e, no que se refere ao contexto da regularização fundiária nas áreas consideradas de posse, visa sempre a homologação dos órgãos públicos e regulamentadores em seus respectivos processos.
A companhia informa que contratou uma empresa para realizar melhoria e ampliação de uma trilha já existente na zona rural, para passagem de maquinário que será usado para instalação de uma torre de medição de vento, e durante a ação foi comunicada sobre um erro do fornecedor contratado. Por isso, solicitou imediatamente a paralisação das atividades e a retirada dos equipamentos.
A Voltalia afirma que a falha cometida pela contratada é um caso isolado e esclarece que disponibilizou uma equipe para acompanhar o caso junto aos proprietários e à prefeitura da região. A companhia reforça seu histórico de instalação de mais de 80 torres em diversos estados do Brasil, sempre no mais estrito respeito às leis, às regras de supressão e de acesso às terras de terceiros e, de forma mais ampla, ao meio ambiente e às comunidades.
Sobre o Boletim de Ocorrência e denúncias, a empresa afirma que até o momento não recebeu qualquer notificação, porém, está à disposição das autoridades e, tão logo seja convocada, prestará todos os esclarecimentos necessários. A Voltalia reforça sua ética, confiabilidade e transparência e repudia qualquer atividade relacionada à grilagem ou outra ação ilegal.
A empresa está na região realizando prospecção para o desenvolvimento de mais um grande projeto de energia renovável e ratifica que está à disposição de todos os segmentos da sociedade e autoridades para o diálogo. A companhia acrescenta que a implementação deste projeto, como de todos os outros que realiza, ocorre de forma transparente, com respeito às comunidades, à biodiversidade e ao Brasil, país onde está presente há mais de 15 anos”. Jornal da Chapada com informações de texto base do G1.