O governo Jair Bolsonaro planeja usar pelo menos R$2 bilhões que vão sobrar do orçamento do Bolsa Família neste ano para financiar ações sociais de estados e municípios. Com esse acréscimo, a verba a ser enviada pelo ministério da Cidadania diretamente a prefeitos e governadores neste ano vai mais do que dobrar.
O dinheiro deve sair do total destinado ao Bolsa Família que acabou não sendo usado, porque muitos beneficiários optam por receber o Auxílio Emergencial, que paga um valor maior.
Em tese, são recursos para centros comunitários e programas que hoje estão sob o guarda-chuva da assistência social, mas que podem ser destinados até a quadras de esporte e outras despesas que nada tem a ver com o Bolsa Família. Vai depender de como projetos de lei do governo pedindo autorização para o remanejamento dos recursos sairão do Congresso.
Estão na Câmara dos Deputados dois projetos, enviados pela equipe econômica a pedido do ministro João Roma, da Cidadania. Ao GLOBO, o ministro disse calcular que o Bolsa Família deve ficar com saldo de R$9 bilhões em caixa ao final do ano.
Segundo Roma, R$7 bilhões vão ajudar a compor o orçamento do novo programa social do governo, o Auxílio Brasil. Os outros R$ 2 bilhões vão para a rubrica da secretaria de Desenvolvimento Social do ministério, administrada pelo deputado Robson Tuma, do mesmo partido de Roma (Republicanos-SP). O ministro afirma que, neste ano, o orçamento para essas despesas de assistência social ficou em R$1,7 bilhão.
Acontece que, diferentemente do dinheiro do Bolsa Família, que é atrelado ao número de beneficiários de cada estado ou município, se o remanejamento for aprovado, a decisão sobre quanto dinheiro vai para onde caberá exclusivamente a Roma.
Esse é um dos pontos que estão no projeto da Câmara. Além disso, os textos abrem espaço para que o dinheiro do Bolsa Família possa ser utilizado em outros fins que não o novo programa social do governo, o Auxílio Brasil.
A manobra foi identificada por parlamentares que resistem a entregar um cheque em branco nas mãos do governo em ano eleitoral. O próprio João Roma não esconde que pretende se candidatar ao governo da Bahia no ano que vem. O texto deveria ser votado nesta terça-feira na Comissão Mista de Orçamento, mas a falta de acordo entre os partidos fez com que a sessão fosse suspensa.
Para o deputado Vinicius Poit (Novo-SP), a autorização fere a determinação do Tribunal de Contas da União, emitida no ano passado, de que toda a sobra do Bolsa Família fosse usada exclusivamente em medidas para atenuar os efeitos da Covid-19. “As regras para o uso desse dinheiro já foram definidas e não devem ser quebradas”, diz Poit. “Ao abrir essa brecha, corremos o risco de ver o dinheiro ser desviado para outras finalidades. Vamos trabalhar para impedir esse tipo de criatividade orçamentária”.
Uma forma de “criatividade orçamentária” possível seria usar o dinheiro para outros programas do ministério do próprio Roma que não estão diretamente ligados ao Bolsa Família – como a construção de quadras esportivas, bastante populares em ano eleitoral. Já tem deputado no Congresso até sonhando com isso.
Nesse caso, o responsável pelo envio do dinheiro seria o secretário especial do esporte, Marcelo Magalhães, padrinho de casamento de Flávio Bolsonaro. A sobra de recursos do Bolsa Família é um problema relativamente novo. Começou a acontecer no ano passado, quando o governo passou a pagar também o Auxílio Emergencial, que é mais alto do que o Bolsa Família.
Neste ano, dos R$34,8 bilhões reservados para o programa, só R$13,7 bilhões foram desembolsados até agora. Em outras palavras, isso significa que a previsão de sobra de R$ 9 bilhões é conservadora, e que o Ministério da Cidadania pode terminar o ano com um saldo ainda maior. Se isso ocorrer, João Roma vai comandar a pasta com a maior fatia de recursos para uso livre de toda a Esplanada. A redação é do jornal O Globo.