A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) realizou no último dia 27 de setembro, diligências na sede da Hapvida, operador de planos de saúde, em Fortaleza, apurar “denúncias sobre cerceamento ao exercício da atividade médica aos prestadores vinculados à rede” e “sobre a assinatura de termo de consentimento pelos beneficiários atendidos na rede própria, para uma prescrição do chamado ‘kit covid'”.
A principal denúncia contra uma operadora foi feita pelo médico Felipe Peixoto Nobre. De acordo com o portal UOL, em um relatório de nove páginas entregues ao Ministério Público do Ceará, o profissional relata pressão por parte de um coordenador para receitar hidroxicloroquina de maneira “compulsória” a pacientes.
O documento foi anexado a um processo administrativo que resultou em multa à operadora no valor de R$ 468 mil, aplicada pelo Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor. Em 1º de setembro, o relatório da investigação foi enviado à CPI da Covid , no Senado.
O Hapvida nega irregularidades e recorreu da decisão. A defesa do grupo diz que não há prova suficiente para as acusações, que preserva a autonomia médica e que o acesso aos prontuários é exclusivo aos hospitais. O recurso será julgado neste mês.
De acordo com Nobre, em abril de 2020, o Hapvida incluiu no protocolo institucional a orientação para que os médicos receitassem hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19, em muitos casos, sem ter feito exame que comprovasse a infecção. Com o tempo, o direcionamento passou a ser uma exigência, à medida que a operadora disponibilizava hidroxicloroquina gratuitamente na farmácia do hospital.
“Diziam que houve uma redução do número de internação de pessoas graves nas UTIs e uma melhora no tempo de permanência dos pacientes no hospital. Mas nenhum desses dados foi provado”, explicou Nobre ao UOL.
O receituário informatizado da rede também foi programado para cumprir a ordem interna, afirma o médico. “Você vai colocando queixas do paciente, e, com o diagnóstico, o sistema vai sugerindo possíveis medicamentos”, lembrou.
Nobre contou ainda que os profissionais resistentes à prescrição sofriam “assédio virtual e presencial”. Seus nomes entraram para uma lista de “opositores”, e, por mensagem de WhatsApp, eram cobrados a receitar “pelo menos duas vezes” o medicamento ou “seriam desligados do plano e retirados das escalas”.
“Recebi visita [do coordenador] durante os plantões, por pelo menos três vezes, e manifestei que não tinha intenção de prescrever o medicamento”, relatou. Dez dias depois, o MPCE deu início à investigação. Além dos relatos do médico, o processo incluiu a reclamação de uma usuária do plano de saúde que recebeu prescrição de hidroxicloroquina sem confirmação do quadro de covid-19.
“Trata-se de uma conduta completamente arbitrária e abusiva [do Hapvida]”, afirma o promotor Hugo Vasconcelos Xerez. “Quem contrata plano de saúde é o consumidor, e há uma relação que precisa ser respeitada: médico e paciente, na qual ninguém deve intervir. Nesse caso, os médicos não tinham autonomia”.
Felipe Peixoto Nobre levou o caso ao Cremec (Conselho Regional de Medicina do Ceará), mas até agora não obteve retorno sobre o andamento da denúncia. Em ofício enviado ao MPCE no dia 9 de julho de 2020, o presidente da instituição, Helvécio Neves Feitosa, confirmou a abertura de uma sindicância e disse que convocou o diretor técnico do Hapvida para uma reunião, “a fim de discutir o assunto”. As informações são do UOL.