O Exército Brasileiro, teoricamente responsável pela defesa do país, está sendo treinado para atacar movimentos de esquerda. Segundo documentos entregues ao repórter Rafael Moro Martins, do The Intercept, candidatos que participaram de uma simulação tinham como inimigo fictício “uma dissidência do Partido dos Operários”, o “PO”, que “recruta e treina militantes do MLT”, o “Movimento de Luta pela Terra”.
A Operação Mantiqueira, realizada em novembro de 2020 em Piquete, cidade no interior de São Paulo que é sede de uma das mais antigas unidades da Indústria de Material Bélico do Brasil, uma estatal vinculada ao Exército, teve a participação de cabos e soldados que eram alunos do Centro de Instrução de Operações Especiais, o CIOpEsp, localizado em Niterói, no Rio de Janeiro.
Essa foi a última atividade do curso que serve como vestibular para o ingresso nas Forças Especiais. Em 2020, segundo a fonte que entregou os documentos ao The Intercept – que preferiu não ser identificada -, de uma turma de quase 40 alunos, 17 foram aprovados para trabalhar no Batalhão de Forças Especiais, o BFEsp, sediado em Goiânia.
Referências a figuras históricas, jornadas de 2013 e políticos
De acordo com o The Intercept, o texto que consta no exercício começa apresentando o “Exército de Libertação do Povo Brasaniano”, o ELPB, “criado a partir de um projeto de partido político de caráter marxista e com uma organização armada clandestina, nascido de uma dissidência do Partido dos Operários e que recruta e treina militantes do MLT” num país fictício chamado Brasânia. As referências, óbvias, são ao Exército de Libertação Nacional da Colômbia, ao Partido dos Trabalhadores e ao MST.
“As cores do ELPB são defendidas em diversos tipos de protestos pelo país, logo o ELPB não é apenas um grupo criminal, mas um movimento que assume contornos de irregularidade com objetivos políticos”, prossegue o texto assinado pelo major Marcos Luís Firmino, oficial de inteligência do BPFesp.
Outro trecho traz uma referência à guerrilha do Araguaia, a última célula da resistência armada à ditadura militar, dizimada pelo Exército, e às jornadas de 2013.
“A primeira frente do EPLB se organizou em 2012, recrutada de diversos grupos de pressão insatisfeitos com a situação do país [e] infiltrando elementos violentos em diversos protestos. Esses grupos infiltrados em protestos causaram grande destruição em propriedades governamentais e privadas, estabelecendo um clima de desordem e ineficiência do aparato de segurança do estado”, afirma o texto.
Em seguida, o documento simula a criação de um canal semelhante ao Mídia Ninja, que ganhou notoriedade ao documentar os protestos contra reajustes nas tarifas do transporte público no Brasil e se tornou um veículo de mídia importante na esquerda.
“Cabe ressaltar que esses grupos têm utilizado canais da Deep Web e de mídias sociais para disseminar vídeos, imagens e outros produtos sobre as ações violentas executadas. Essa prática ficou conhecida como ‘Mídia Samurai’”, diz a parte que faz referência ao veículo.
Segundo o The Intercept, “também é difícil não notar a coincidência dos personagens fictícios com figuras reais. Pedro João Cavalero, criador das ELPB, e a deputada estadual Erica Ericsson, ‘expulsa do PO por portar-se de maneira extremada’, parecem menções a João Pedro Stédile, do MST, e Erica Malunguinho ou Erika Hilton, respectivamente a primeira mulher transexual eleita para a Assembleia Legislativa de São Paulo e primeira mulher trans eleita vereadora na capital paulista. Ambas são filiadas ao PSOL”.
O repórter afirma que entrou em contato com o Exército. Passadas mais de três semanas, as Forças Armadas informaram que não responderiam. “Em momento algum, porém, a força ou os oficiais da assessoria de imprensa – dois coronéis, um capitão e um tenente – com quem tratei sobre o pedido de informações desmentiram os documentos”, complementa Martins. Clique aqui para ler o texto na íntegra. Com informações da Revista Fórum.