As cavernas brasileiras que são fonte de milhares de empregos por meio do turismo e proporcionam opções de lazer para práticas recreativas, esportivas, científicas e de contemplação, sofrem risco de não existirem mais. É que um decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), na última quinta-feira (13), autoriza a destruição de qualquer tipo de caverna para a construção de empreendimentos considerados de utilidade pública.
A medida mantém as classificações de relevância das cavidades naturais em máxima, alta, média e baixa, mas revoga uma regra de 1990 que proibia que as cavernas com grau de relevância máximo sofressem impactos negativos irreversíveis.
O texto aponta que elas poderão ser modificadas desde que haja autorização dos órgãos ambientais competentes e compensações ambientais por parte dos empreendedores. Além disso, os impactos não poderão gerar a extinção de espécie que habitam a cavidade impactada.
Em nota, o Ministério do Meio Ambiente justificou a necessidade da mudança e afirmou que elas “criam a possibilidade de investimentos em projetos estruturantes fundamentais, geradores de emprego e renda, como rodovias, ferrovias, mineradoras, linhas de transmissão e energias renováveis”.
Especialistas na área, no entanto, criticam o decreto. Eles afirmam que as novas regras colocam em risco a proteção das cavidades naturais.
“A decisão vai ficar diretamente relacionada ao eventual enquadramento que o poder público der de utilidade pública e há uma certa amplitude do que pode ser considerado como utilidade pública. Em obras federais e estaduais, onde o órgão ambiental é o lobo e o cordeiro, há grandes chances de haver riscos de arbitrarem sobre utilidade pública de maneira equivocada”, afirma em entrevista para a Folha, o doutor em hidrogeologia e membro do Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas, Murilo Valle.
O professor explica que o decreto facilitaria, por exemplo, a construção de uma fábrica da cervejaria Heineken em Minas Gerais, que foi embargada em setembro do ano passado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) por risco de danos ao sítio arqueológico onde foi localizado o crânio de Luzia, o mais antigo fóssil humano encontrado nas Américas.
Obras em rodovias com interferência em cavernas também poderão ser facilitadas. Outro ponto de preocupação está na forma de compensação estabelecida pelo decreto. O texto determina que o empreendedor adote medidas para assegurar a preservação de cavidade natural subterrânea com atributos ambientais similares àquela que sofreu o impacto e, preferencialmente, com grau de relevância máximo e de mesma litologia.
Isso, de acordo com Valle, não irá obrigar o responsável pelo empreendimento a preservar outra caverna de relevância máxima ou de características semelhantes. O ministério defende que as possibilidades de compensação ambiental para empreendimentos que afetem cavidades de grau de proteção alta foram ampliadas, “de forma a permitir uma aplicação mais eficaz dos recursos destinados à preservação ambiental”.
O decreto ainda permite que o ICMBio ou o empreendedor solicitem ao órgão ambiental a mudança na classificação do grau de relevância das cavernas, tanto para nível superior quanto para nível inferior. De acordo com a Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros (Sebeq), as mudanças nas cavernas gerarão “impactos enormes e irreparáveis”.
“Literalmente, milhares de espécies que vivem em cavernas, incluindo espécies criticamente ameaçadas de extinção e espécies hiperendêmicas (com ocorrência em uma única caverna, por exemplo) estão em risco mais elevado com a publicação do Decreto 10.935. Mais além, os serviços de ecossistema prestados por estas cavernas como, por exemplo, o abastecimento de aquíferos e a contenção de pulsos de inundação, poderão ser gravemente comprometidos”, disse em nota. Redação do Portal Muita Informação com dados da Folhapress.