Levantamento feito pelo Instituto Escolhas aponta indícios de ilegalidade na venda de mais de 200 toneladas de ouro extraído no país durante entre 2015 e 2020. Segundo o instituto cinco empresas concentraram um terço desse montante. O instituto pede ações do governo para reforçar a fiscalização sobre o setor e maior participação dos países importadores no rastreamento da origem do ouro comprado no Brasil.
“Hoje, o controle de comercialização de ouro é muito falho”, diz a gerente de Portfólio do Escolhas, Larissa Rodrigues. Com base em análise de mais de 40 mil registros de comercialização de ouro, informações sobre processos minerários e imagens de satélite, o instituto estima que 229 toneladas de ouro vendidas no país durante os seis anos pesquisados têm indícios de irregularidades.
O volume equivale a metade da produção nacional de ouro no período. O número, diz Rodrigues, pode ser ainda maior, já que o rastreamento considerou apenas um dos códigos de exportação de ouro usados pela Receita Federal, aquele que se refere ao mineral bruto, sem considerar outros produtos e agregados. Mais da metade do volume de ouro considerado suspeito pelo instituto foi produzido na Amazônia, principalmente no Mato Grosso e no Pará.
Entre os indícios de irregularidades constatadas, estão a extração para além dos limites dos títulos minerários ou em títulos que avançam para dentro de terras indígenas, a venda de ouro com origem em áreas onde hoje não há mineração e até registros de venda sem identificação da origem. O Escolhas vem denunciando nos últimos anos o crescimento das irregularidades nas vendas de ouro no país, facilitadas pela fragilidade da fiscalização e sem grande atenção do governo, que apoia a regularização de garimpos ilegais em terras indígenas e áreas de conservação.
A atividade garimpeira tem sido fonte de uma série de conflitos indígenas, principalmente com os povos munduruku e yanonami. Mais recentemente, foi acusada pela mudança na cor da água do balneário Alter do Chão, no Pará, por suspeita de contaminação por mercúrio dos garimpos no rio Tapajós. Rodrigues cobra maior fiscalização dos órgãos ligados à indústria da mineração, como ANM (Agência Nacional de Mineração) e MME (Ministério de Minas e Energia), e do Banco Central, responsável pelo controle de DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários).
São essas empresas que compram o ouro de mineradores de garimpeiros para revenda e deveriam funcionar como primeira barreira de controle da origem do mineral. O sistema atual de rastreamento, porém, ainda não é digitalizado e é baseado na boa-fé do declarante da origem. “A gente precisa que o Banco Central se aproxime, fiscalize as empresas que ele tem que fiscalizar e crie os regramentos para que isso deixe de acontecer”, diz a gerente do Escolhas, que coordenou o estudo divulgado nesta quinta-feira (10).
Ela ressalta ainda que os maiores negociadores de ouro com origem suspeitas têm ligações com empresas em outras etapas da cadeia, da produção ao transporte e exportação, gerando conflitos de interesse que prejudicam o controle. O Escolhas defende a aprovação de um projeto de lei que elimina a diferenciação entre mineração e garimpo, alegando que esta última atividade já se tornou uma operação industrial, com maquinário pesado e atuação em grandes áreas.
“O garimpo não opera na forma artesanal e rudimentar, como sempre se defendeu que ele opera”, diz Rodrigues. “O garimpo é uma atividade industrial, mas a lei confere benefícios como se fosse uma atividade artesanal e rudimentar.” A expectativa pela aprovação do projeto de lei que libera a mineração em terras indígenas na Amazônia provocou uma corrida por pedidos de pesquisa mineral na região, que já vem sofrendo com aumento do garimpo desde o início da escalada do preço do ouro, em 2019.
Com a elevação dos preços, a produção nacional de ouro disparou nos últimos dois anos, ultrapassando a barreira de 90 toneladas em 2020, com fortes indícios de que parte dessa alta tenha vindo de áreas irregulares. “Como agravante, temos hoje um governo que é a favor do garimpo na Amazônia, que sai fazendo declarações em favor dessa atividade e desconsidera os problemas na cadeia”, diz Rodrigues. “Estamos falando de contaminação por mercúrio, de invasão de terras indígenas, de uma série de falhas ambientais.” Com informações do Folhapress.