O Exército afirma que não havia impedimento para aprovar o certificado de registro de CAC (caçador, atirador e colecionador) para um membro da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) pelos documentos apresentados por ele. Foi após esse processo que o suspeito teve autorização para comprar um fuzil.
A Força diz, por meio de nota, que usou a autodeclaração de idoneidade e a certidão criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais para a análise e que a responsabilidade pela documentação é do “interessado”.
O membro do PCC conseguiu obter o certificado de registro de CAC no Exército mesmo tendo uma ficha corrida com 16 processos criminais, incluindo cinco indiciamentos por crimes como homicídio qualificado e tráfico de drogas.
“Toda a documentação requerida para a entrada do processo foi verificada. Assim, seguindo o princípio da legalidade, as informações prestadas acerca da idoneidade e da documentação referente aos antecedentes criminais são de responsabilidade do interessado”, disse o Exército, em nota.
“No caso em questão, o cidadão apresentou a certidão criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais em conjunto com a autodeclaração de idoneidade, não havendo informações impeditivas para o prosseguimento do trâmite processual naquela oportunidade”, acrescentou a Força.
O Exército disse ainda que, sendo confirmada a ocorrência de irregularidade processual, as providências cabíveis serão tomadas por meio de processos administrativo e penal militar, sem prejuízo de outras medidas a serem adotadas pelos órgãos de segurança pública.
Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, diz que a portaria e a lei não fazem referência à primeira ou à segunda instância, mas aos tipos de Justiça e à inexistência de inquéritos. Dessa forma, a Força deveria conferir os documentos e verificar a veracidade.
“A manifestação do Exército passa a impressão que a verificação é meramente formal, o que, além de preocupante, é um incentivo para que outras pessoas com antecedentes optem por este caminho para obtenção de armas”, disse.
Ele diz ainda que houve redução da fiscalização do Exército no governo Bolsonaro, em muitos casos pela alteração das normas, o que facilitou a atividade de criminosos.
Para ser CAC era preciso, por exemplo, atestar frequência em clubes de tiro. Para avançar na categoria e poder comprar mais armas, precisava ser justificada a participação em competições regionais e nacionais.
“Tudo isso caiu com as novas normas. Quando há diminuição de requisitos que o Exército usa para fiscalizar, ocorre o incentivo para uma infiltração do crime organizado”, destacou.
Especialista em direito público, o advogado Ricardo Penteado afirmou que era uma obrigação do Exército averiguar a veracidade do que constou na autodeclaração entregue pelo integrante do PCC. De acordo com Penteado, esse é o papel de órgãos de controle.
“A averiguação dos pressupostos previstos em lei para a concessão de uma determinada licença é uma obrigação do órgão que a concede”, disse o advogado.
“Quando se trata de uma atividade de risco, que é autorizar o uso de uma arma do porte de um fuzil, essa obrigação se impõe sobremaneira. Caberia ao Exército fazer essa checagem.”
O juiz que autorizou a Polícia Federal a fazer busca e apreensão contra um membro do PCC disse que qualquer busca no Google feita pelos militares poderia acender um sinal amarelo sobre o suspeito.
O registro foi obtido pelo membro do PCC em junho de 2021, já na gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL). O governo federal, por meio de novas portarias e decretos, tem flexibilizado o acesso a armas e munições no país. Algumas normas publicadas são destinadas a beneficiar especialmente a categoria dos CACs.
Segundo a polícia, para obter o certificado de registro de CAC no Exército o suspeito apresentou somente a certidão negativa de antecedentes criminais na segunda instância, emitida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
A investigação aponta que o Exército não exigiu certidão negativa da Justiça de primeira instância, na qual o membro do PCC acumula 16 processos. Caso ele tivesse expedido o documento referente à primeira instância, sua ficha criminal seria exposta.
Para se tornar CAC, o Exército pede a comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral.
Após receber o registro de atirador, o homem comprou duas carabinas, um fuzil, duas pistolas, uma espingarda e um revólver. O valor dos itens supera R$ 60 mil. A PF apreendeu as armas no último dia 14, após cumprir três mandados de busca e apreensão na operação Ludíbrio na cidade mineira de Uberaba.
As armas compradas por CACs ficam registradas no Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas). Questionado sobre os dados, o Exército não informou detalhes sobre os diferentes tipos de armas e calibres que compõem o acervo e disse que qualquer questionamento sobre o tema deveria ser feito via Lei de Acesso à Informação —que dá prazo de até 30 dias para a resposta.
Atualmente, cerca de 1,5 milhão de armas estão registradas no Sigma. Os CACs respondem por mais da metade desse acervo (884 mil), sendo que o restante é formado pelo armamento particular de militares, incluindo policiais e bombeiros. Com informações do Folhapress.