Momentos depois de dar uma facada no então candidato Jair Bolsonaro, Adélio Bispo de Oliveira foi conduzido ao primeiro andar de um prédio comercial de Juiz de Fora (MG). Lá, policiais federais tiraram sua camisa e começaram a espancá-lo, numa tentativa de descobrir à força a motivação do crime. Enquanto apanhava naquele dia 6 de setembro de 2018, Adélio manteve-se calmo, com o olhar perdido; não chorou nem gritou, limitando-se a dizer que não concordava com as ideias de Bolsonaro.
A surra só parou quando chegou ao local o tenente-coronel Marco Antônio Rodrigues de Oliveira, então comandante do 2º Batalhão de Polícia Militar de Minas Gerais. Ele falou algum tempo com Adélio e, com base na conversa e em seu comportamento, traçou um diagnóstico: tratava-se de um desequilibrado mental. A cena, inédita, está nas páginas iniciais do livro “O Ovo da Serpente”, escrito pela jornalista Consuelo Dieguez e que tem um subtítulo bastante explicativo: “Nova Direita e Bolsonarismo: Seus Bastidores, Personagens e a Chegada ao Poder”.
Dieguez se interessou pela ascensão da direita no Brasil a partir de duas reportagens que fez para a revista piauí. Na primeira, de 2016, seu foco era Bolsonaro. “Fiquei impressionada como ele arrebatava uma multidão apaixonada, que fazia questão de se dizer de direita. Que dizia ter orgulho de ser de direita. O que não ouvíamos no país desde o fim da ditadura”, diz a jornalista. Na segunda reportagem, de 2018, ela entrevistou gente do Brasil inteiro para entender o voto em Bolsonaro.
“Ficou claro para mim que era um movimento caudaloso e que vinha para ficar”, afirma Dieguez. “O livro se propõe não a atacar essa nova direita, mas a entendê-la. Quanto mais entendermos, mais fácil será lidar com esses grupos e, de alguma forma, conter o fanatismo”. Voltando a 2013 e percorrendo os anos até um pouco depois da eleição em 2018, o livro mostra como o bolsonarismo –entendido como o carro-chefe da nova direita— floresceu num solo em que se misturaram acaso, oportunismo e estratégia.
A facada, por exemplo, foi um acaso. Teria virado fatalidade sem a intervenção do soldado Erlon Rossignoli, que provocou um desvio milimétrico no percurso da lâmina. Mas o uso político do episódio demandou oportunismo para divulgar uma foto de Bolsonaro ainda no hospital, com os braços abertos como um Cristo na cruz, e estratégia para aproveitar a exposição que o candidato, de outro modo, jamais teria.
Bolsonaro parecia saber disso desde o primeiro momento. Segundo o registro de Dieguez, ainda na Santa Casa de Juiz de Fora, ele disse a dois aliados: “É só não fazer mais nada que a eleição está ganha”. A confluência entre os vetores acompanhados pelo livro, no entanto, remonta aos protestos de junho de 2013, quando, nas palavras da jornalista, “o ovo da serpente começou a ser chocado”.
Foi naquele ano que grupos de direita pegaram gosto pelas ruas. Também foi naquele ano que Bolsonaro participou de uma manifestação organizada por Silas Malafaia e, lá pelas tantas, soltou o seu bordão: “Brasil acima de tudo. E Deus acima de todos”. De lá em diante, o então deputado federal aproveitou-se do empuxo da Lava Jato e do impeachment de Dilma Rousseff (PT) para agregar setores da direita até então desorganizados e, de certa forma, envergonhados.
“O Ovo da Serpente” conta como Bolsonaro, longe do radar de outros partidos e da imprensa, foi colhendo a simpatia de militares, religiosos, fazendeiros e empresários. Embora ainda fosse visto como um parlamentar radical e inexpressivo, conseguiu, a cada novo apoio, construir uma imagem diferente, normalizando um voto antes tido como impensável.
O livro repassa a dificuldade da imprensa ao lidar com um candidato como Bolsonaro e esmiúça sua estratégia digital, considerada um dos fatores mais decisivos para a campanha vitoriosa. Uma vitória, por sinal, que foi comemorada de forma atípica. Dieguez relata a frieza do presidente eleito durante a apuração e a ordem para celebrar somente quando a notícia fosse confirmada pela TV Record –o que só aconteceu quase dez minutos depois da Rede Globo.
Nos dias seguintes, o clima pouco festivo continuou, porque o clã Bolsonaro passou a queimar a reputação de alguns aliados fundamentais durante a campanha. Era o gabinete do ódio mostrando a sua cara. Com informações do Folhapress.