Dezessete dos atuais 39 coordenadores regionais da Funai (Fundação Nacional do Índio), todos cargos de confiança, não têm nos currículos apresentados ao órgão nenhuma palavra relacionada aos povos indígenas ou ao indigenismo.
Dentre os nomes, há um ex-assessor do senador Fernando Collor (PTB-AL), um ex-vendedor de automóveis, militares com experiência no Haiti e em favelas do Rio de Janeiro, além de um ex-policial rodoviário com curso de atirador de elite e que participou de ação contra garimpeiros.
Dos 39 coordenadores regionais, 25 nunca tinham passado pela Funai e foram trazidos na gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL). O órgão chegou a ter 22 militares nesses postos —atualmente, são 16. Três policiais militares e um policial federal também foram designados para essas funções.
Os dados foram obtidos por meio de um pedido de informações feito pela deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS), que solicitou ao órgão o currículo de quem ocupa as coordenações regionais —a resposta chegou à Câmara dos Deputados no dia 14 de setembro.
A Folha questionou a assessoria de imprensa da Funai sobre cada um dos casos, mas não obteve resposta.
As coordenações regionais são órgãos espalhados pelo país que organizam e administram o trabalho de campo dos agentes indigenistas. Elas respondem diretamente à Presidência, hoje ocupada por Marcelo Xavier.
Xavier é acusado por organizações que atuam na área de ter construído uma política anti-indígena na Funai, que desde a posse de Bolsonaro não demarcou novas terras indígenas.
Entidades como o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e a INA (Indigenistas Associados – Associação de Servidores da Funai) afirmam que o atual chefe da Funai, que é policial federal, persegue servidores e lideranças indígenas ao mesmo tempo que aparelhou o órgão com militares.
No último dia 7, por decreto, o governo reestruturou a Funai e excluiu de seu estatuto as diretrizes de atuação das coordenações regionais.
Fernanda Melchionna também questionou a fundação sobre a exoneração do indigenista Bruno Pereira, assassinado em junho passado, e sobre o assassinato do indigenista Maxciel Pereira dos Santos, em 2019. A parlamentar também enviou perguntas sobre a gestão de Xavier.
“Quase nenhuma pergunta foi respondida e vamos encaminhar novamente o requerimento, inclusive repassando ao MPF se não houver respostas novamente”, afirmou ela à Folha.
“O que chama muito a atenção é que a maioria dos nomeados não possui nem qualificação técnica e nem experiência para tratar da pauta indígena”, disse a parlamentar.
O fuzileiro da Marinha José Ciro Monteiro Junior é um dos coordenadores regionais que não tem nenhuma experiência com indígenas em seu currículo —diz, por exemplo, que “participou de várias incursões nas favelas do Rio de Janeiro no combate ao crime organizado” e também atuou no Haiti. Foi nomeado em abril de 2020 para a coordenação do Alto Purus (AC).
Dentre os que mencionam alguma experiência relacionada a questões indígenas, há alguns que citam atividades pontuais ou que pouco se assemelham à atuação da Funai. Osmar Gomes de Lima é capitão da reserva e afirma que trabalhou “nas áreas indígenas durante processos eleitorais”, no município de Tocantínia (TO) —ele é coordenador em Araguaia (TO) desde novembro de 2019.
Há também nomes ligados a políticos que foram ou são da base aliada de Bolsonaro.
Clotário de Paiva Gadelha Neto, por exemplo, fez carreira na cidade de João Pessoa (PB), onde é coordenador regional da Funai desde 2021. Antes, foi secretári0- adjunto na capital paraibana, trabalhou na Assembleia Legislativa do estado e também assessorou o ex-deputado Marcondes Gadelha (PSC), que apoiou Bolsonaro em 2018.
O senador Fernando Collor (PTB-AL), por sua vez, apoia o presidente na eleição deste ano. Foi do seu gabinete que saiu Márcio José Neri Donato, atual chefe da unidade Nordeste 1 e que antes já foi vereador em Porto Real do Colégio (AL).
Além de militares e ex-assessores, há servidores que fizeram carreira em outras áreas da sociedade civil distantes do indigenismo.
Hoje a unidade Ji-Paraná (RO) é chefiada provisoriamente por Roger Moreira, que é servidor da Funai desde fevereiro deste ano — entrou como chefe da divisão técnica e depois foi nomeado substituto da coordenação, já em maio.
Em seu currículo ele disse ter “disponibilidade para viagens” e que a área que desejava atuar era “aberta à negociação”. Na experiência profissional constam quase dez anos como consultor ou gerente de vendas em concessionárias de automóveis.
A reportagem procurou individualmente cada servidor citado desde a sexta-feira (14), por meio do contato fornecido nos currículos, mas não houve resposta.
O único que respondeu foi Raimundo Pereira dos Santos. Coordenador regional de Kayapó Sul, no Pará , ele é ex-policial rodoviário com curso de sniper (atirador de elite).
Formado em comunicação social e com cursos nas áreas de comércio exterior e psicologia, ele atuou na área de inteligência da polícia e diz no currículo que “conduziu o cadastro” de indígenas Baniwa.
Procurado pela reportagem, ele explicou que sua atuação se deu em um “projeto de etno desenvolvimento para tirá-los do jugo da narcoguerrilha, bem como o atendimento pré-hospitalar”, e disse que também atuou para retirar garimpeiros do rio Traíra (AM).
No currículo, também diz ser capaz de “planejar, coordenar e executar ações de inteligência e contra inteligência empresarial” e estar “em condições de sociologicamente mudar opiniões antagônicas e políticas para os objetivos fins”. Com informações do Folhapress.