O custo médio mensal para o tratamento de dor crônica à base de canabidiol teve queda de 25% em um ano, segundo levantamento. Em agosto de 2021, o valor médio para a terapia com canabidiol era de R$ 475,00. Já em agosto deste ano, esse valor passou para R$ 358,00. Ou seja, houve redução de R$ 116,00.
Os dados são de um estudo feito pela Cannect, maior rede de Cannabis medicinal da América Latina, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para chegar ao custo médio mensal, os pesquisadores consideraram 308 pacientes associados à plataforma e que passam por avaliação diária de profissionais de saúde (enfermeiros, médicos e outros) sobre a percepção de melhora da sua condição física.
Foram incluídos no estudo apenas aqueles em tratamento para dor crônica, nos quais era possível avaliar a melhora da dor por meio de uma escala —aquela clássica pergunta, de “1 a 10, como você avalia a sua dor”. Em uma segunda etapa do estudo, os 41 pacientes que apresentaram desempenho acima de 30% de resolução dos sintomas foram incluídos para avaliar o custo mensal com CBD de fevereiro a junho deste ano. O valor médio calculado por mês foi de R$ 156 (uma vez que o frasco de CBD pode ser usado por até três meses).
Comparando com uma estimativa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que encontrou, de 2004 a 2008, o custo médio mensal de um tratamento convencional para dor crônica —à base de opioides— de R$ 270 (ajustado com o IPCA nos últimos 14 anos), o preço do canabidiol é cerca de 42% menor do que as drogas convencionais.
Para Rafael Pessoa, diretor-médico da Cannect, o estudo é o primeiro a avaliar o custo do tratamento no Brasil com base em evidência científica. “Usamos dor crônica, pois é algo para o qual cerca de 70% dos pacientes que estão ligados ao nosso ecossistema hoje procuram o canabidiol. E percebemos que o tratamento podia, de fato, ter um custo mais baixo comparado com o tratamento convencional”, explica.
Uma barreira inicial da Cannabis medicinal no país, segundo Pessoa, foi o alto custo dos medicamentos, chegando a R$ 1.200 o frasco. Também por esse motivo, muitas das prescrições para canabidiol acabavam em ações na justiça. “Já ouvi em congressos outros médicos dizerem que a terapia ‘é muito bacana, mas é medicina de rico’. Só que depois de um tempo você vê que ela reduz os custos inclusive de outros medicamentos”, diz.
O canabidiol, ou CBD, é um dos produtos derivados da Cannabis (Cannabis sativa) e não apresenta efeitos psicoativos —diferentemente do THC, que é o composto psicoativo da maconha. O CBD é utilizado principalmente na forma de óleo e vem sendo testado para diferentes doenças, incluindo Parkinson e Alzheimer.
Um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados pretende autorizar o plantio da maconha para fins medicinais no Brasil. Recentemente, o CFM (Conselho Federal de Medicina) publicou uma nova portaria restringindo ainda mais as especialidades médicas e as condições com indicação para o uso do CBD. Alvo de críticas tanto de pacientes quanto de médicos, o órgão revogou a resolução dez dias depois e abriu uma consulta pública, que vai até 23 de dezembro.
Allan Paiotti, diretor-executivo da Cannect, afirma que a redução no custo do CBD no período está relacionada a dois movimentos distintos: o de maior procura dos pacientes por terapias com canabinoides, seja por indicação, seja por ter testado outras terapias tradicionais e não ter verificado melhora na condição de saúde; e um processo educativo dos próprios médicos.
“No Brasil, a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] determina a prescrição mediante uma avaliação médica, e a entrada de produtos com teor mais alto de THC é muito controlada, o que exige ainda mais responsabilidade no processo de educação e capacitação dos médicos para entender que, em alguns casos, ele [o THC] também é recomendado”, avalia.
A indicação é, ainda, a principal porta de entrada de pacientes que buscam o CBD. Como muitos médicos têm receio de prescrever tratamentos à base de canabidiol ou optam por uma terapêutica mais tradicional, os usuários buscam profissionais que já estão familiarizados com o medicamento.
Foi o caso de Rita de Cássia Costa, 62, que fez tratamento com Cannabis após indicação de um amigo. Paciente com fibromialgia, ela sofria com dores no corpo e nas articulações. A terapia convencional, à base de anti-inflamatórios e fisioterapia, já não ajudava mais.
Hoje, Costa já encerrou o tratamento, pois teve melhora significativa no quadro de dor em pouco tempo. Ela segue com o acompanhamento médico da Cannect. Paiotti afirma que a tentativa de restringir por meio de uma resolução do CFM o uso é reflexo de uma visão carregada de preconceito ideológico e da politização da maconha.
Para Pessoa, uma restrição das especialidades torna o uso democrático do CBD ainda mais dificultado. “Precisamos acabar com a visão de um ‘médico canábico’. A gente defende o posicionamento de várias especialidades, com base nas evidências mais recentes, terem recomendação para indicar, porque um neurologista vai saber indicar melhor para tratar contra esclerose múltipla do que um médico fisiatra”, diz.
Em outubro, poucos dias após publicar a resolução que tornava mais restritiva a indicação do canabidiol, o CFM disse, em nota, ter avaliado quase 6.000 artigos científicos e recebido centenas de contribuições de médicos para tomar sua decisão. “As conclusões apontam para evidências ainda frágeis sobre a segurança e a eficácia do canabidiol para o tratamento da maioria das doenças”, afirmou a entidade.
Ainda segundo o conselho, há trabalhos científicos com resultados positivos apenas para os casos de crises epiléticas relacionadas às síndromes de Dravet, Doose e Lennox-Gastaut. Com isso, na sua avaliação, seria prudente aguardar o avanço de estudos. Com informações da Folha de São Paulo.